INTERIORIDADES: ENTRE MITOS E REALIDADES

por, JOÃO SERRA DOS REIS


A palavra em si, “interioridades”, possui densas conotações psicanalíticas e intimistas, geográficas e etnográficas, e, ultimamente, tem vindo mesmo a tomar contornos míticos que urge reposicionar, sob pena deste termo servir de “pau para toda a colher” nas teses políticas de sinal contrário, e confundir a cidadania sobre as prementes questões territoriais, demográficas, sociais, económicas, sanitárias, educacionais, ambientais, culturais, políticas e administrativas, que impendem sobre o que comummente se denomina hoje por “questão da interioridade”.

Sobre esta questão, no actual contexto, e porque de questão se trata, enunciemos com pertinência os principais dados do problema, do nosso ponto de vista, e, como ponto de vista.

Primeiro, este debate não dispensa uma análise desmistificadora das ideologias dominantes em matéria de desenvolvimento, e daquilo que não feito e porque o não foi, como daquilo que foi feito e de que modo o foi.

Esta necessidade assenta na constatação de que naquilo que se fez até agora muito erro de perspectiva se cometeu, e que muitas sanguessugas e rémoras de interesses ilegítimos estiveram sempre disfarçadamente coladas a programas e acções vocacionadas para o desenvolvimento do país e do interior.

Também não dispensa uma análise fina e pormenorizada da situação actual e dos valores que defendemos para um território e suas comunidades de vida sustentáveis.

Como modelo de desenvolvimento, desde já dizemos que nos parece errado encarar as necessidades e lógicas de desenvolvimento sustentável do interior nos moldes em que foram e têm sido perspectivadas, guiadas por critérios que já abriram falência, designadamente as lógicas de desenvolvimento materialista e economicista, assente em lógicas do lucro e no consumismo, em vez de se atenderem às necessidades e valores essenciais à qualidade de vida das populações e comunidades locais.

Os sinais anunciados pelos decisores nacionais e locais em matéria de acções e projectos previstos para aproveitar os fundos comunitários do QREN são anunciadores de megalomanias, caprichos ou lógicas eleitoralistas nacionais e autárquicas que auguram repetidas oportunidades perdidas.

O interior, antes tudo, precisa de se afirmar como identificação territorial, cultural e social e apostar convictamente na valorização do seu património endógeno.

Porque, no passado, nesta matéria, fizeram-se pequenas e desacreditas acções de índole folclórica e sem investimento crítico e estruturante.

Nunca se apostou de forma séria em conservatórios de artes e ofícios tradicionais regionais. O artesanato e as artes e ofícios foram sempre vistos como pequenos animadores de feiras locais oportunistamente montadas para fins contrários aos legítimos interesses dos artesãos.

Os autarcas do interior, de um modo geral, têm praticado a política do cimento armado anárquico, ao sabor dos interesses alheios ao bem comum, e do centralismo urbano em detrimento das comunidades rurais.

Se perguntarem aos decisores locais o que entendem por desenvolvimento imaterial sustentável, vão rir-se na vossa cara!
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Comentários

Anónimo disse…
O que está escrito a partir do sexto parágrafo, inclusivé, deste excelente "post" corresponde exactamente ao que se tem afirmado relativamente à necessidade de aproveitar os recursos próprios de cada região autonónoma, de preferência, depois de definida as componentes principais da sua identidade própria.
Esta identidade tem de ser cultural, geográfica e antropológica, os únicos elementos capazes de mobilizar as populações para um tipo de desenvolvimento que exclua definitivamente investimentos megalómanos e desproporcionados para cada das regiões mencionadas e que podem até retirar ou destruir as características de naturaze patrimnial e mundial que algumas delas (ainda poucas) evidenciam.
Por fim, a adopção de certas prática próprias das nossas grandes metrópoles têm sido imitadas em cidades e vilas das regiões do interior como tais emprendimentos representassem um sinal real de modernidade e de avanço em termos de desenvolvimento. Nada é mais enganador como também é reflexo muito negativo da ausência de políticas municipais adaptadas as circunstâncias e características de cada cidade ou concelho, no quadro de uma determindada região.
Por isso, a implementação da regionalização, poderá corrigir os sucessivos erros cometidos (se ainda se for a tempo) e eliminar da gestão autárquica todas os programas previstos que ofendam a idiossincrasia colectiva demonstrada pelas populações desde há séculos. Complementarmente, tenham os responsáveis autárquicos a audãcia de conceber programas que estimulem o aproveitamento dos recursos próprios de cada concelho na sua diversidade dentro de um todo homogéneo e unitário que são as políticas de dimensão regional a implementar com a regionalização autonómica, com novos protagonistas políticos (autárquicos, regionais e nacionais) se for exigido pelas necessidades de desenvolvimento que lhe são inerentes.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)