Norteia-nos, Senhor!



Norteia-nos, Senhor!

O Primeiro-ministro reacendeu o debate sobre a Regionalização e, de pronto, os opinantes da capital – os oficiais do ofício e os oficiosos à espreita de vaga para montarem barraca na oficialidade do ofício – se puseram a opinar que o assunto da regionalização não é para assuntar este ano, por mor da crise, e nem nos próximos anos, por mor da crise, e, ainda por mor da crise, o governo deve centralizar mais (a vida vai boa lá por Lisboa!) em vez de abrir mão do poder. Arre!

‘Ar livre, que não respiro! / Ou são pela asfixia? / Miséria de cobardia / que não arromba a janela / da sala onde a fantasia / estiola e fica amarela! / Ar livre, digo-vos eu! / Ou estamos nalgum museu / de manequins de cartão? Abaixo! E ninguém se importe! / Antes o caos que a morte… / De par em par, pois então?! / Ar livre! Correntes de ar / por toda a casa empestada! / (Vendavais na terra inteira, / a própria dor arejada, / - E nós nesta borralheira / de estufa calafetada!) ‘ (1)

Dois dos mais notáveis políticos do Norte têm vindo a levantar bem alto a bandeira da Regionalização: Para Marco António Costa, a Regionalização ‘é o único instrumento fiável para trazer ao nível intermédio do Estado a discussão, a decisão e a aplicação de políticas que combatam realmente a desertificação do interior e a crescente assimetria de desenvolvimento entre as várias regiões de Portugal’; Carlos Lage, insiste que ‘é o momento do Norte reclamar o seu papel, a sua dignidade e a sua autonomia’; ‘O Norte merece uma democracia regional’. Pois bem, unam os esforços e esqueçam os amigos da capital. É que eles, os amigos da capital, são dos tais que comem o seu e o do seu amigo. São amigos… uns dos outros!

‘Aplaudido pelos colegas, o Senhor Guilhermino / Cruz, que há décadas mantém num quinzenário / uma coluna, elogia o Senhor Gouveia, / convidando-o a assumir a presidência. / Anuindo, o poeta agradece as palavras / imerecidas. E, num curto mas bem decorado / improviso, onde transparece a proverbial / sinceridade que o distingue, promete fazer / boa administração, honesta e económica, / sem esquecer, claro está, para o alcance / deste desiderato, o auxílio necessário / de todos os companheiros, em cada um / dos quais se ufana de contar um amigo. / Certo é que a Sociedade tem andado / reduzida a oito membros. Mas, como insiste / o Senhor Gouveia, antes sós do que mal / acompanhados. É da sabedoria das nações / e da política de todos os tempos.’ (2)

É certo e sabido que a Regionalização – sim, Regionalização e não descentralização, desconcentração e eufemismos da parentela – não será remédio para todas as maleitas da Região Norte. Mas lá que é bem capaz de a fazer sair da depressão profunda em que se encontra, lá isso é. E, curada da depressão, a Região Norte há-de arregaçar as mangas, cuspir nas palmas das mãos e refundar-se. Sim, refundar-se. É uma questão de fé. E razão.

‘Tu que nos deste a primavera / e o sarampo, / as manobras fáceis da procriação / e a denodada repulsa pela morte, / leva um pouco mais longe a generosidade / e dá-nos agora a indiferença: / longa, fria, auspiciosa. / Como a que deste às pedras. / E – segundo parece – / como a que reservaste para ti. / Dá-nos esse gelo, essa tão / dura carapaça. Para que passem / carroças sobre nós – e nós a assobiar.’ (3)
Norteia-nos, Senhor!

(1) Miguel Torga; (2) Vítor Nogueira; (3) A. M. Pires Cabral

|Diário de Trás-os-Montes|

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,~

O diagnóstico está certeiro, especialmente quando vem acompanhado de poesia de origem transmontana.
Mas solução é que não se vislumbra nada, apesar de continuar a insistir na Região Norte e na fórmula da regionalização para a tirar da depressão actual. Um transmontano deveria ter a sensibilidade para saber que o litoral nunca fez nada para ver o interior desenvolvido e muito menos quem se abancou à cidade-capital, razão pela qual deveria estar mais atento às soluções recomendadas do que a insistir num delimitação territorial que de nada servirá a regionalização.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)