Beira Interior: uma Identidade

Da Beira Interior como Região à Região da Beira Interior

A designação Beira Interior começou a difundir-se no final dos anos 70, mas o seu uso radicará no facto de as regiões de planeamento criadas em 1969 serem, nos casos do Centro e do Norte, divididas em Litoral e Interior (GASPAR, Jorge, 1993). A Beira Interior surge assim, basicamente como região de planeamento, de limites oscilantes que englobam, em alguns casos, os distritos da Guarda e Castelo Branco e noutros as NUT III da Beira Interior Norte, Beira Interior Sul e Cova da Beira. No entanto, qualquer indivíduo que conheça a Beira Interior, percepcionará no seu interior vários espaços mais ou menos homogéneos, consoante o tipo de critérios que tiver em conta. Se pensar em regiões geográficas rapidamente destacará a Depressão Rugosa da Cova da Beira, a Superfície de Castelo Branco, associada grosseiramente com a Beira Baixa, ou a Superfície da Meseta, associada grosseiramente com Beira Alta ou com a Beira Transmontana. Mas muitas outros espaços se poderão destacar dentro da Beira Interior, nomeadamente Riba-Côa, que tão bem caracterizada foi pelo geógrafo Carlos Alberto Marques, o Baixo Côa, O Alto Mondego, a Depressão de Celorico, etc.

No entanto, numa observação mais pragmática e tendo em conta critérios funcionais, rapidamente se identificam os espaços maioritariamente polarizados pela Guarda, Castelo Branco e uma área charneira entre estas duas, que corresponderá toscamente à Cova da Beira. Para percepcionarmos melhor este zonamento, vejamos por exemplo a totalidade dos concelhos dos distritos da Guarda** e Castelo Branco, no que diz respeito aos destinos de trabalho ou estudo da população residente nestes concelhos.

Como podemos observar, as NUT III estão grosseiramente demarcadas, podendo-se destacar um grupo de forte interconexão a Norte, outro a Sul e a existência de uma área de charneira entre estas duas. Este pequeno exemplo, que não pretende de maneira nenhuma ser um exercício de delimitação regional, mostra que no caso da Beira Interior, as NUT III, poderão apresentar uma boa coesão territorial. Outra conclusão fundamental para este artigo diz respeito aos concelhos limítrofes que, excepto os fronteiriços, possuem uma fraca ligação com as NUT III da Beira Interior, estando provavelmente mais interligados com outras regiões que não a Beira Interior.

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Em relação à regionalização, tomemos apenas dois princípios básicos: primeiro, a regionalização será uma forma de o cidadão comum ter um maior acesso aos processos de decisão, podendo assim ter uma maior intervenção nas acções que influem no seu dia-a-dia. Segundo, a regionalização em Portugal só fará sentido como instrumento do desenvolvimento (OLIVEIRA, L.V., 1996).

Assim sendo, o traçado das regiões deve obedecer explicitamente a lógicas de coesão territorial, e não a lógicas de qualquer outro tipo, nomeadamente politico-partidárias. Isto é tanto ou mais importante uma vez que na "Europa da Regiões" o nível regional de gestão territorial é fundamental para o desenvolvimento do Interior, no geral, e da Beira Interior em particular. No futuro, é esperado que a lógica dos fundos comunitários venha a ser maioritariamente regional e Portugal, que tem defendido a apresentação do país como uma única região, terá que se preparar para ver algumas das regiões do interior passarem a ter o exclusivo dos subsídios europeus (SALVADOR, R., 1997). Isto requererá um complexo reequacionamento ao nível da gestão e planeamento de recursos, exigindo funcionalidade e objectividade às estruturas que se vieram a criar na região. Por outro lado, perante a globalização crescente, é cada vez mais valorizado o papel da região, em detrimento da escala nacional, desde que essa possua uma estrutura suficientemente flexível, tal como se pretende com a regionalização.

Neste sentido, a Região da Beira Interior possuirá alguma coerência, mesmo tendo em conta que não se constitui como uma região formal. O facto de não dispor de um centro polarizador, não é uma desvantagem uma vez que possui um eixo de aglomerados urbanos, que podem funcionar em rede entre sí, e com outras regiões não só portuguesas como espanholas, deixando assim de ser pontos terminais de sistemas urbanos, fracamente conectados entre sí.

Esta rede poderia ser reforçada (nomeadamente através da deslocalização de funções), de forma a explorar-se devidamente as complementaridades e sinergias existentes entre aglomerados e a promover-se a coesão económica e social da região. Para tal, o planeamento territorial desta área teria inevitavelmente que ser feito à luz de uma lógica regional endógena, uma vez que a Beira Interior tem de deixar de ser equacionada em função do Litoral.

A afirmação desta região poderia ainda ser reforçada com a sua relocalização em termos Ibéricos, procurando colocá-la entre as sua congéneres espanholas e o litoral português, de forma a não constituir apenas um obstáculo espacial a ultrapassar.

Será necessário reconhecer que a Região Administrativa Beira Interior, caso venha algum dia a acontecer, terá ainda um longo e árduo caminho a percorrer, em boa parte devido ao facto de não possuir, à partida, a coerência territorial necessária a evitar certas disputas, mas também devido ao facto de uma reforma que deveria ser feita à luz do cidadão, estar entregue a um complicado sistema político. No entanto será minha convicção que, caso venha a existir, a Região Administrativa da Beira Interior poderá ser um útil contributo, para o desenvolvimento do território que a compõem.

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** Excluiu-se o concelho de vila Nova de Foz Côa, por de momento não possuirmos dados para este concelho

por Sérgio Caramelo
(CENTRO DE ESTUDOS DE GEOGRAFIA E PLANEAMENTO REGIONAL),
in Terras da Beira (Guarda), 29/01/1998 (adaptado)

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