Que falta que faz a Regionalização !


Ainda o encerramento das linhas do Corgo e do Tâmega

Comentário: O fim do comboio no Douro

Quem tem medo do povo não merece o povo. Como sempre faz, a Refer, com a cobertura do Governo, mandou fechar as Linhas do Tâmega e do Corgo sem aviso prévio. A notícia chegou pela calada da noite.

No caso da Linha do Corgo, a Refer elegeu como emissário o governador civil de Vila Real, Alexandre Chaves, que, se tivesse um pouco de decência e memória do tempo em que foi presidente da Câmara flaviense, teria recusado esse triste papel e sido o primeiro a contestar a decisão. A população atingida soube da notícia pela hora do jantar através do um telefonema anónimo para o presidente da Junta de Freguesia de Ermida, José Martins. A Câmara de Vila Real só foi informada mais tarde.

Pela mesma altura, sem ninguém saber, o comboio que, normalmente, cumpre a primeira viagem do dia entre Vila Real e a Régua, foi mandado regressar à Régua. Pela calada da noite, fazia provavelmente a última viagem na Linha do Corgo. Não chegou ao seu destino, porque, a meio da viagem, na estação de Carrazedo, dezenas de populares lhe travaram a marcha.

A Refer justifica com razões de segurança a decisão de encerrar a Linha do Corgo e diz que o fecho é temporário. Mas toda a gente sabe o que, no léxico de quem tem gerido o caminho-de-ferro em Portugal, significa “temporário”.

É com promessas que nunca se cumprem e a oferta de transportes alternativos durante poucos meses, antecedidas de uma degradação contínua do serviço, que alguns dos mais belos troços ferroviários do país têm sido fechados. Foi assim com a Linha do Tua, entre Mirandela e Bragança, foi assim com o troço Pocinho-Barca D`Alva, da Linha do Douro.

Na Linha do Corgo nunca houve nenhum acidente. Mas, admitindo que a linha não tem condições de segurança, não havia razões para esconder das populações atingidas o seu fecho temporário. Guardar a informação até perto da hora marcada para o encerramento da linha e mandar regressar à Régua o comboio estacionado em Vila Real revela bem as verdadeiras intenções da Refer, da CP e do Governo.

Caso contrário, a ser verdade que a linha não oferece condições de segurança, tanto a Refer como a CP têm andado a brincar com a segurança das dezenas de pessoas, incluindo inúmeras crianças e jovens em idade escolar, que diariamente utilizam a automotora do Corgo. Porque ninguém acredita que a insegurança na linha começou ontem. E um comportamento negligente deste tipo é crime.

Por mais explicações que venham a ser dadas, toda a gente sabe que as verdadeiras razões que estão por trás da decisão de encerrar a Linha do Corgo são de natureza economicista. A exploração não é rentável. Mas o Metro de Lisboa, o Metro do Porto, a Carris e muitos troços explorados pela CP também não o são. Há um custo social que todos os portugueses aceitam pagar para manter muitos serviços públicos deficitários.

No caso da Linha do Corgo, o custo social que é necessário suportar é uma gota no oceano de desperdícios e prejuízos que tanto a Refer como a CP têm acumulado ao longo do tempo. Para dezenas de aldeias dos concelhos de Vila Real e Régua, o comboio é ainda hoje o principal meio de transporte. Para muita gente, é mesmo o único. Existe uma auto-estrada a ligar as duas cidades, mas as estradas que ligam as aldeias do vale do Corgo são tão estreitas e sinuosas que, em certos pontos, mal passam dois carros.

Viver nestas aldeias já é um fardo pesado. Sem transportes, é um castigo. Claro que quem decide desconhece esta realidade. Na equação, as pessoas atingidas são reduzidas a números e tratadas com desprezo. Foi sempre assim.

O que choca, neste caso, é constatar que esta política merece o apoio do mesmo Governo que pretende investir 3,8 mil milhões de euros numa linha de alta velocidade entre Lisboa e o Porto. O mesmo Governo que elegeu o Douro como um dos pólos turísticos prioritários para o país e que, no entanto, autorizou a construção de uma barragem no Tua que vai acabar com um dos mais belos troços ferroviários do país.

O mesmo Governo que quer povoar a Trás-os-Montes de auto-estradas e não investe um cêntimo no desenvolvimento, ou na manutenção, do caminho-de-ferro na região. O mesmo Governo que, com o fecho das Linhas do Corgo e do Tâmega, dá uma machadada mortal no formidável projecto ferroviário do Douro. Um Governo assim, se não for castigado pelos votos, sê-lo-á, certamente, pela História.

|PUBLICO|

Comentários

José Leite disse…
É o velho dilema: Estado gordo demais, é preciso emagrecê-lo...

Quando se começa a dieta, «aqui d'el-rei!»