Três tópicos para o debate sobre a Regionalização

Um primeiro esclarecimento pode muito bem ser o de que a Regionalização não é uma “teimosia” de alguns, mas uma peça fundamental para a construção de um Estado Democrático que garanta a participação dos cidadãos na decisão dos seus interesses locais, regionais e nacionais.

Em termos locais e nacionais já dispomos actualmente de instrumentos de participação (podem não ser os melhores, nem suficientes, mas isso é conversa para outra altura…) mas os assuntos regionais têm andado a ser assumidos por quem não foi democraticamente mandatado para tal.

As “Comissões de Coordenação”, as “Regiões Plano”, as “Comunidades Urbanas”, as “Associações de Municípios”, etc, não têm nada a ver com a instituição das Regiões Administrativas previstas na CRP. Podem andar a servir para escamotear a realidade e dar a impressão de que vivemos num sistema político descentralizado, mas não passam de instrumentos do Poder Central, ou do Poder Municipal, sem a legitimidade democrática concedida pelo voto dos cidadãos.

Já é tempo de dizer isto de forma muito clara e de acabar de uma vez por todas com as tentativas de construir uma regionalização de gabinete que será apresentada como inevitável, mas que, no fundo, é feita “à medida” dos interesses de alguns.

O referendo que se decidiu fazer sobre a Regionalização, mais do que um erro, foi uma estratégia para adiar o processo. A verdade é que o País votou contra a própria Constituição e, no entanto, apesar de já ter sido revista depois desse referendo, ela continua a definir a instituição das Regiões Administrativas como uma peça fundamental para a construção do Poder Local. Não será isto um contra-senso que os políticos e os constitucionalistas deveriam explicar melhor ao País?

Um segundo esclarecimento que se impõe diz respeito às atribuições das Regiões Administrativas previstas na CRP.

Isto pode parecer um lugar comum, mas é quase certo que a maioria dos portugueses desconhece essas atribuições e tem no seu imaginário outra realidade, talvez aquela que leva alguns a acenar com o fantasma da unidade nacional, como se a descentralização política e a participação das regiões na elaboração dos planos nacionais constituísse um obstáculo à Democracia.

A História prova que a realidade é bem diferente. Um Estado centralista apresenta mais perigos, pois pode facilmente passar a autoritário e daí a totalitário vai um passo.

Mas as Regiões Administrativas não terão sequer as atribuições das autonomias atlânticas, ou as conhecidas noutros países, como em Espanha. Contudo, serão responsáveis pela elaboração de planos regionais, uma peça fundamental para a diminuição das assimetrias de desenvolvimento com que nos debatemos e prioritária para estabelecer com legitimidade democrática a ponte entre o poder central e o poder municipal.

É este mecanismo que explica, por exemplo, porque é que em termos constitucionais existe uma correlação de organização e atribuições dos órgãos políticos: executivo municipal, junta regional, governo; assembleia municipal, assembleia regional, assembleia da república.

A realidade que vivemos é um verdadeiro paradoxo: defendemos a Democracia, o Pluralismo e a Descentralização, mas vivemos num contexto prático de Centralismo Democrático, ou seja, o Poder Central, personificado no Governo (mas não só…) pode ouvir opiniões, nomeadamente das estruturas representativas dos municípios, mas elabora os planos sem a participação das Regiões Administrativas, pois estas não existem! Na prática, decide sozinho. Os resultados das últimas décadas estão à vista! Veja-se, a este propósito, o que dizem os artigos 91º, 3., 199º, a) e 258º da CRP.

Naturalmente que as ideias aqui apresentadas são apenas uma pequena parte do que se pode retirar de uma análise mais aprofundada da CRP acerca da Regionalização, percebendo-se melhor o que se quer dizer quando se fala de imperativo nacional.

Contudo, parece importante não terminar este modesto contributo sem deixar um último alerta àqueles que estão empenhados em não deixar cair no esquecimento a obrigatoriedade constitucional da Regionalização, relacionado com a discussão das divisões geográficas que determinarão o número de Regiões Administrativas a criar.

Como toda a gente, também nós temos um mapa das regiões na cabeça. Mas a experiência do desaire do referendo mostrou-nos que começar por aí é um grave erro estratégico. O fundamental é que os cidadãos percebam o que são as Regiões Administrativas, como são constituídas, quais as suas atribuições e em que medida a sua existência contribui para o desenvolvimento do País.

A questão das delimitações das Regiões Administrativas é incontornável, mas não será mais fácil criar uma opinião esclarecida sobre esta ou aquela hipótese depois de se perceber o que é que está em causa?

Apresentar vários mapas de divisão regional sem explicar o porquê, as vantagens e as desvantagens, contribuirá para ganhar adeptos da Regionalização, ou levará a generalidade das pessoas, mais uma vez, a considerar que o assunto é para os “especialistas” e lá chegará, na hora certa, quem lhes diga como é que vão votar?

Aqui ficam muitas perguntas e poucas respostas, mas a firme convicção de que a cultura democrática nasce do debate das ideias e das opiniões e será tanto mais transformadora quanto maior for o número de participantes. E como dissemos, nós também temos um mapa e nesse mapa existe uma Região que se chama Trás-os-Montes e Alto Douro. Mas uma coisa é certa: o mapa que está na nossa cabeça não servirá de nada se o País nem sequer aceitar que se criem Regiões Administrativas!

F. Lopes

Comentários

Rui Valente disse…
Caro Almeida Felizes,

Suponho não levar a mal que tenha publicado no meu blogue este post.

Se não concordar é só dizer.

Cumpts