Regionalização vs Não regionalização/ Portugal vs Espanha

Há uns dias, apresentei os dados referidos às contas regionais de Portugal a nível de NUTS III. Hoje pretendo fazer uma comparativa com Espanha, o país vizinho que, como todos sabem, e um país que avançou com a regionalização. Mais do que isso, pretendo dar uma ideia do impacte da regionalização em Espanha no sentido de ter favorecido a diminuição das assimetrias regionais.

Em Espanha as NUTS II correspondem com as regiões autónomas ou Comunidades Autónomas, que são 17, enquanto as NUTS III correspondem às 50 províncias (equivalentes aos nossos distritos). Feitos estes esclarecimentos, analisaremos as contas regionais espanholas com base em quatro datas: 1981, 1987, 2000 e 2008. O processo de regionalização finalizou em 1983, pelo que estas datas nos permitem ponderar os seus efeitos, isto é, as assimetrias antes ou no dealbar da regionalização e as assimetrias actuais, mais de vinte anos depois.

Em 1981 superavam a média espanhola as comunidades de Aragão, Baleares, Cantábria, Catalunha, Madrid, Navarra, País Basco e La Rioja, isto é, oito das dezassete regiões autónomas. A diferença entre a região mais rica, Madrid (143,9%), e a mais pobre, a Extremadura espanhola (61,7) era de 2,33 vezes. A nível provincial, no entanto, as diferenças eram ainda maiores, entre a já referida Madrid e Ourense (58,7%), sendo de 2,45 vezes. Das cinquenta províncias, 31 apresentavam valores inferiores ao 90 % da média espanhola, sendo que 23 tinham valores inferiores ao 80%. Apenas sete províncias superavam o 110% dessa média.

Em 1987, com os efeitos da crise e da reconversão industrial, a fotografia era essencialmente a mesma: 30 províncias com valores inferiores a 90% da média, com 22 com níveis inferiores a 80%. Entretanto, apenas nove províncias superavam a média espanhola e só cinco o nível dos 110%. A diferença entre a província mais rica, Girona, na Catalunha (126,5), e a mais pobre, Jaén, na Andaluzia (56,1) era de 2,3 vezes.

Em 2000, o número de províncias com valores inferiores ao 90% tinha-se reduzido a 24, das quais apenas seis apresentavam valores inferiores a 70% e nenhuma com valores inferiores a 60%. Entretanto, as províncias que superavam a média espanhola era de dezoito, das quais 13 apresentavam valores superiores a 110. A diferença de PIB entre a província mais rica e a mais pobre era de 2,1 vezes.

Em 2008 nenhuma região autónoma apresentava valores inferiores a 70%, sendo que a região mais rica, o País Basco (133,8) tinha um PIB per capita 1,9 vezes superior ao da região mais pobre, a Extremadura espanhola (70,1). A nível provincial, os dados mais recentes são os de 2006, dos quais se pode conferir que o número de províncias com níveis inferiores ao 90% da média era de 25, dos quais apenas 3 apresentavam níveis inferiores ao 70%, sendo que a maior parte delas tinham níveis superiores a 80%. Na parte alta da tabela, a maior parte das províncias tende a situar-se em níveis entre o 90 e o 110% da média (14 províncias) e apenas onze superavam essa cifra.

Em resumo, uma breve análise dos dados permite conferir o facto de que as assimetrias regionais em Espanha experimentam uma reducção gradual e significativa de forma que as províncias pobres tendem a situar-se na parte alta da tabela, mais próxima do 90% da média e as províncias ricas, salvo excepções significativas (designadamente o País Basco), tendem a situar-se em valores próximos da média, contribuindo assim para a minoração dessas assimetrias. Mais ainda: a região/província mais rica já não é a capital do estado, mas outra região autónoma, facto que seria impossível em Portugal.

Portanto, é possível dizer que a regionalização tem contribuido para uma diminuição dessas assimetrias, dotando às regiões autónomas de instrumentos de poder de decisão regional, o qual é só possível com uma regionalização assente nos princípios da solidaridade e da igualdade de todos os cidadãos. É claro que em Espanha ainda existem muitas assimetrias. A regionalização não é uma varinha mágica, mas sim um instrumento que tem permitido reforçar a coesão de todos os cidadãos, independentemente da sua localização geográfica.

Em Portugal, mutatis mutandis, só uma regionalização bem implementada pode permitir que essas assimetrias possam ir diminuindo aos poucos, criando novas condições económicas nas regiões mais pobres e equiparando-as progressivamente às do Litoral, que , como vimos, são as mais desenvolvidas.

P.S. Os dados fornecidos pertencem à base de dados do INE espanhol.

Comentários

Caro Gaiato A,

Mais um artigo bem construído e bem elucidativo das vantagens decorrentes da descentralização.

Cumprimentos,
Pedro Ferreira disse…
O post está interessante.

Sugiro apenas a utilização de uma medida de coesão fácil de calcular e que permite quantificar o aumento dessa coesão (ou melhor, a diminuição das assimetrias). Trata-se da "dispersão do PIB per capita" a nível NUTS III.

A fórmula (dada em três passos intercalados) é a seguinte:

1) dispersão = raíz quadrada da "variância ponderada" / PIB per capita do país;

2) variância ponderada = somatório do "peso regional" * (PIB per capita da região - PIB per capita do país)^2;

3) peso regional = população da região / população do país.

Quanto mais baixa for a dispersão, mais similar é o PIB per caita nas diversas regiões, logo, maior será a coesão.

Comparar a dispersão ao longo do tempo, não só mostrará que a coesão aumentou como também quantificará esse aumento.

Fica como sugestão.
Pedro Ferreira disse…
Acabei de olhar para a dispersão do PIB per capita na página do Eurostat.

A série disponível é 1995-2005, mas dá para tirar algumas conclusões interessantes.

1) Espanha apresenta níveis de assimetria inferiores a Portugal;

2) Entre 1995-1998, em ambos os países (Portugal e Espanha) as assimetrias aumentaram de forma sustentada.

3) No período 1996-2005, Portugal continua a aumentar de forma sustentada as assimetrias regionais ao passo que a Espanha iniciou uma descida sustentada na assimetria regional;

4) Em 1999 a diferença entre a dispersão de Espanha e Portugal era de 5.6 pontos percentuais. Em 2005, a diferença passou para 10.1 pontos percentuais.

Mas o que seria deveras interessante analisar não é apenas a dispersão do PIB per capita mas sim a dispersão do rendimento disponível per capita.

Se ao longo do tempo, algumas regiões se especializarem em sectores de elevado valor acrescentado, então as assimetrias ao nível do PIB aumentarão. E isto pode não ser necessariamente mau.

Por isso a dispersão do rendimento disponível nas famílias é muito interesante de analisar. É que aí já houve alguma re-distribuição da riqueza através dos impostos e subsídios.

Fica com o outra sugestão. Prometo que se tiver algum tempo disponível, vou tentar aceder a essa informação e fazer as contas, caso não haja alguém que o faça antes de mim.
Fronteiras disse…
Obrigado, Pedro Ferreira pelas tuas sugestões.

Não pretendia fazer um estudo sistemático das assimetrias regionais por entender que este é um blogue generalista, isto é acessível para todos os públicos. É por isso que fui directamente aos dados. No entanto, se o senhor quiser apresentar mais dados ou aprofundar neles, sinta-se à vontade. Eu agradeço.

Entretanto, estava a preparar um novo artigo sobre os resultados de uma má regionalização, pelo que, perante as suas sugestões, estou a equacionar a possibilidade de introduzir essas variáveis.

Obrigado novamente.
Anónimo disse…
bom artigo, acabei por perceber o seguinte a região mais rica tem um pode de 2 vezes o mais pobre, algo que não acontece em Portugal. portanto segundo o estudo o que se pode concluir é que Espanha está a fazer um pior trabalho que Portugal.