Uma regionalização mal feita: o caso de Castela e Leão (Espanha)

A regionalização deve converter-se num instrumento que achegue os cidadãos à Administração. Mas quando a regionalização está mal fundamentada, os resultados nem sempre são positivos. Analisaremos um caso específico: a região de Castela e Leão em Espanha.


Castela e Leão é um bom exemplo de uma regionalização mal feita. Para já trata-se da região mais extensa da Europa, com 94.223 km², isto é, quase mais 2.000 km², do que Portugal, com 92.391. Baste dizer que há localidades que ficam separadas mais de 600 km. dentro da mesma região. Abrange nove províncias: Leão, Zamora, Salamanca, Palência, Valhadolid, Ávila, Segóvia, Sória e Burgos. É uma região sem identidade, já que como o próprio nome indica, resulta da união de duas regiões (antigos reinos) como eram Castela a Velha e Leão.


Em 1981 a região apresentava um PIB per capita de 80,9% da média espanhola, sendo a província mais rica Valhadolid (96,2), seguida de Burgos (83,1), Leão e Palência (80,6), Segóvia (79,6), Salamanca (76,8), Sória (73,3), Ávila (72,3) e, finalmente, Zamora (63,2). Seis anos depois já havia algumas mudanças: Valhadolid (91,4) continuava no primeiro lugar, mas Burgos (89,9) já ficava quase a par, seguida por Palência (82,0), Sória (80,0), Segóvia (80,1), Leão (77,8), Salamanca (74,9), Ávila (65,1) e Zamora (63,1). Portanto, configurava-se já um mapa em que as chamadas províncias «do Oeste», isto é, as províncias leonesas de Leão, Zamora e Salamanca mais a castelhana de Ávila ficavam nos últimos lugares, como sendo as províncias menos desenvolvidas.





Em 2000 a região tinha avançado significativamente atingindo o 90,5% da média espanhola, mas com mais assimetrias intra-regionais. Burgos (111,0) consolidava-se assim como a província mais rica, beneficiando da sua posição entre Madrid, o País Basco, o vale do Ebro e o eixo Miranda de Ebro-Tordesilhas, o mais desenvolvido da região e o mais industrializado. A seguir, Valhadolid (100,8) e Segóvia (100,1), com valores superiores à media de Espanha e também beneficiadas pela sua situação central da região no caso de Valhadolid, e a proximidade de Madrid, no caso de Segóvia. Sória (99,4) também atingia valores próximos, neste caso pela proximidade entre Madrid e Saragoça. Já num patamar inferior ficava Palência (91,0), com valores próximos da média, sendo que as restantes províncias tinham valores muito inferiores: Leão (81,2), Ávila (79,0), Salamanca (78,9) e Zamora (69,8).


Em 2006 superavam a média espanhola Burgos (113,2), Valhadolid (105,9) e Segóvia (101,9), enquanto Palência (96,7) superava Sória (94,3). Já em valores mais baixos ficavam Leão (89,1), Salamanca (83,5), Ávila (80,0) e Zamora (78,3), sendo a média da região de 95,3.


Destes dados podemos conferir algumas conclusões: A região apresenta uma assimetria intra-regional muito forte, de forma que podemos distinguir três espaços bem diferenciados: um espaço de desenvolvimento, formado pelas províncias de Burgos, Valhadolid e Segóvia, um espaço de desenvolvimento intermédio, com médias similares à da região, no que estariam incluídas as províncias de Palência e Sória, e um espaço pouco desenvolvido, formado pelas três províncias da antiga região leonesa mais a castelhana de Ávila. De facto, aquando das negociações para o reparto dos fundos comunitários no período 2007-2013, falou-se na possibilidade de introduzir, a efeitos estatísticos, a NUTS II das antigas províncias leonesas porque não atingiam o 75% da média comunitária, enquanto a região, no seu conjunto, superava esse limite entrando numa situação de phasing in, passando, de forma progressiva, de região Objectivo 1 a região Objectivo 2, isto é, de região de convergência a região de competitividade. Mas tal ideia não se concretizou, pelo que isso continua a alastrar a situação nestas províncias «do Oeste», onde a sensação de maltrato por parte do poder regional é mais do que evidente, e onde os sentimentos regionalistas, que visam criar uma região nova, separada, designadamente em Leão, que por sinal nunca se sentiu integrada na região, são bastante fortes.


As disparidades entre a província mais rica e a mais pobre eram de 1,52 em 1981; 1,44 em 1987; 1,59 em 2000 e 1,44 em 2006, cifras que são suficientemente expressivas para mostrar essas assimetrias intra-regionais. Se, em vez de uma macro região maior ainda do que Portugal, existissem duas regiões naturais, os números seriam muito diferentes. Na região leonesa, abrangendo Leão, Zamora e Salamanca, haveria uma disparidade, em 2006, de 1,13 entre a província mais rica, Leão, e a mais pobre, Zamora. Na região castelhana, a diferença, tirando o caso específico de Ávila, seria de 1,20. A região leonesa teria mais recursos para investir no seu próprio desenvolvimento, tendo a capacidade de estabelecer estratégias próprias e a região castelhana podia focalizar a sua atenção no desenvolvimento de Ávila, como província mais pobre, e, em menor grau, nas de Palência e Sória, com muitos menos problemas acrescentados. No caso actual, os recursos resultam insuficientes para os cerca de 1,2 milhões de habitantes dos cerca de 2,5 milhões da região, que vivem em províncias menos desenvolvidas.


Em resumo: apesar do evidente desenvolvimento trazido pela regionalização em relação à média espanhola, as assimetrias intra-regionais não têm sido superadas a causa de uma regionalização mal feita. No caso português, uma regionalização feita dando as costas para os cidadãos, poderá ter os mesmos resultados. Em Espanha a regionalização não foi o resultado de aceitar um «pacote» já fechado, mas as províncias, com os seus representantes eleitos, foram as que decidiram a que região iam aderir, menos no caso da província de... Leão. E os efeitos lá estão. Cá em Portugal a regionalização não poderia estar baseada nos distritos, carentes de toda justificação histórica e económica, mas sim poderiam estar impulsionadas, por exemplo, pelos concelhos, desde que existam mecanismos moderadores que evitem alguns excessos.

Comentários

Rui Farinas disse…
Óptimo post, muito bem documentado.
Dizem que o melhor saber é o "saber de experiência feito", mas o exemplo dos outros deve ajudar-nos a evitar algumas cabeçadas nas paredes. Quando este post refere que as províncias leonesas, em vez de constituirem a Região de Leon, tinham sido incluídas numa híbrida Região de Castilla-Leon, lembrei-me das cinco Regiões, igualmente híbridas, que insistem em estabelecer em Portugal. Em Espanha essa decisão tem causado mal estar nas províncias do oeste. Em Portugal ocorrerão situações similares (ou mais certamente a regionalização será chumbada no referendo) em Trás-os-Montes e na Beira Interior. É o resultado de se tomar importantes decisões nas costas dos interessados.
Rui Farinas disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Caro Gaiato Alentejano:

Mais uma vez, muitos parabéns. É esta a realidade. Não é a que certos caciques regionais queriam, mas é esta a realidade. Se este incompreensível mapa for para a frente, não irá haver regionalização. Isso é certo. Mais uma vez, querem tapar os olhos aos portugueses. Os interesses pessoais e de certas cidades à frente dos interesses do País.
Portugal precisa de abrir os olhos. Ainda bem que há pessoas, como o senhor, que tão bem sabem expor os porquês. Porquês que os defensores das 5 regiões, pura e simplesmente, não têm.

Cumprimentos,
Paulo Rocha disse…
Reconheço que a divisão territorial é importante e também controversa. Todavia, muito mais importante é a institucionalização da Regionalização. A partir daqui, havendo massa crítica, teremos margem para evoluir para novos patamares.
Fronteiras disse…
Obrigado pelos vossos comentários!

Acho que a regionalização se justifica só com olhar para os dados estatísticos. Quanto mais se vermos os resultados no nosso dia-a-dia dos que residimos no interior do país: falta de oportunidades, emigração, demora e adiamento constantes em projectos básicos, etc.
Zé Luís disse…
Muito interessante e ilustrativo, dá para transpor a fronteira e ver as Beiras Interiores "desaparecidas" no mapa proposto das 5 regiões.

Entendida a mensagem.

Obrigado e parabéns.
Anónimo disse…
Os infelizes dos epanhóis não foram capazes de fazer uma boa regionalização perfeita democrática, agora os resultados são visíveis por todos.
A convergencia entre províncias (distritos) tornou-se em desconvergencia .
Em Portugal pelo contrário, sem uma regionalização mal feita, os nossos resultados comparados com os nossos vizinhos são óptimos.
Neste aspecto somos exemplares para toda a Europa
Fronteiras disse…
Acho que o Sr. Anónimo, ou tem alguma dificuldade na compreensão leitora ou não leu bem o artigo.

Cá falei do que é uma regionalização mal feita, já que as assimetrias intra-regionais continuam a ser fortes. Mas caso não tenha reparado, relembro-lhe que o nível de convergência da região com a média espanhola melhorou substancialmente, passando de 80 a 95%. O que não melhoraram são essas assimetrias intra-regionais, que ainda ficam numa diferença de 1,5 vezes entre a província mais rica e a mais pobre, o qual é bem menor do que a diferença entre a NUTS III mais desenvolvida, Lisboa, e a menos desenvolvida, Tâmega, com uma diferença de 2,5 vezes.

A ideia era demonstrar: regionalização sim, mas não a qualquer preço; não qualquer regionalização.

Espero que a sua compreensão seja bem melhor para a próxima vez; senão caímos no risco de ficar em ridículo...
Anónimo disse…
Esta e uma boa prova de que nem sempre a REGIONALIZACAO de um territorio funciona por mais boa vontade que haja e por mais estruturas governativas descentralizadas sejam criadas. Tal simplesmente nao chega para garantir o sucesso da descentralizacao.
.
Se virmos bem, nao e apenas como resultado de uma regionalizacao que as coisas passam a funcionar melhor, mas sim como resultado directo dos INDIVIDUOS que estao a frente dos destinos da regiao e do poder central.

Qualquer ideologia funciona mais ou menos bem em qualquer lado desde que os envolvidos sejam gente trabalhadora, honesta, competente e, acima de tudo esteja nas posicoes para que sao eleitos par BEM SERVIR aqueles que os elgeram e nao a eles proprios.

Esta ultima situacao e o garante -- em qulquer pais ou debaixo de qualquer idologia-- de que a ocisa nunca vai funcionar !

Renato Nunes
Carolina do Sul, EUA