Linha do Tua: a espinha dorsal do Nordeste Transmontano - II

(continuação)

DESLOCAÇÕES DIFÍCEIS

E se uma coisa foi ficando confirmada é a desertificação que se vive naquela zona. As dificuldades de deslocação das populações entre as aldeias, que são escassas, é certo, mas existem, a falta de acessos para carro e com a linha desactivada naquele troço torna as deslocações penosas. E são estas dificuldades que Jorge Pelicano, no filme que apresentou no DOCLisboa, nos dias 18 e 19, retrata, na secção Competição Nacional. A apresentação dizia: “É uma viagem através de um Portugal esquecido, vítima de promessas políticas oportunistas”. A proposta de reflexão do realizador não é romântica, nem poética, “é interventiva” e como que “um ajuste de contas com as promessas que vão sendo feitas sem serem cumpridas”. Quando Jorge Pelicano falou ao jornal As Artes entre As Letras (na segunda-feira que antecedeu à estreia do filme), a expectativa era grande para o que resultasse dos 105 minutos de projecção: “Trabalhei dois anos neste projecto para chamar a atenção das pessoas. É quase como uma arma de arremesso. Pôr as pessoas a reflectir e depois que formulem as suas próprias conclusões”. Terá este objectivo sido alcançado? Ainda não era possível saber à hora de fecho desta edição, mas algumas consciências estão despertas há muito tempo, desde que se ameaça este património classificado pela Unesco, que ainda não conhece os planos para a linha.

José Manuel Pavão, presidente da Assembleia Municipal de Mirandela e membro da Associação dos Amigos do Vale do Rio Tua, é um inconformado com a ameaça que paira sobre o que chama “um vale único”. Ao As Artes entre As Letras declarou: “Há aqui hoje um grupo de pessoas que, vindas do Litoral, quiseram visitar os recantos mais íntimos do país, que querem descobrir o seu próprio país. E vêm ao encontro do que lêem, ouvem e vêem – pouco na televisão – e ficam maravilhados. O que se passa neste rincão transmontano alto-duriense é que temos um vale que é único, que é um símbolo da natureza, com uma linha ferroviária que é uma obra notável de engenharia e que vai ficar submerso por uma questão energética”.

DO TUA A BRAGANÇA

Esta obra de engenharia é assinada por Dinis da Mota, que substituiu o engenheiro que iniciou o projecto da linha em bitola métrica, ou via estreita, que percorre 133,8 quilómetros, do Tua a Bragança. Com os sucessivos encerramentos, actualmente funcionam 16 quilómetros, Cachão-Carvalhais. O último troço a ser encerrado foi entre o Tua e o Cachão, depois do acidente ocorrido em Abrunhosa, a 22 de Agosto de 2008, do qual resultou um morto. A linha não será reactivada enquanto não forem apuradas as causas do acidente. Acidentes que aconteceram, na opinião de José Manuel Pavão, por “falta de apoio, de acompanhamento e de assistência técnica a estas vias ferroviárias”. E relativamente à demorada investigação que decorre, lamenta: “Somos um país que adia tudo: adiamos a justiça, adiamos a assistência médica, não obstante termos coisas notáveis”! E aponta o dedo a “uma atitude estratégica de habilidades reprováveis por parte das entidades do Governo em relação a tudo isto, que pode levar ao encerramento da linha por esgotamento de luta dos cidadãos”. Apesar de tudo, ainda acredita no poder da organização das pessoas. “Tudo isto depende de muita coisa, mas há uma atitude técnica a estas vias ferroviárias”. E relativamente à demorada investigação que decorre, lamenta: “Somos um país que adia tudo: adiamos a justiça, adiamos a assistência médica, não obstante termos coisas notáveis”! E aponta o dedo a “uma atitude estratégica de habilidades reprováveis por parte das entidades do Governo em relação a tudo isto, que pode levar ao encerramento da linha por esgotamento de luta dos cidadãos”. Apesar de tudo, ainda acredita no poder da organização das pessoas. “Tudo isto depende de muita coisa, mas há uma atitude cívica notável, que é esta de divulgar, levar, dar a conhecer e depois se os cidadãos se organizarem…” acredita. “Hoje, os cidadãos têm muita força quando são organizados e conscientes daquilo que defendem”, lembra com esperança.

E aqueles que dedicaram um domingo para ver, ouvir e sentir seguiam caminho rumo a São Lourenço. Mas eram ainda seis quilómetros de viagem – que sendo menos de metade do total, seriam bem mais difíceis de percorrer, pois o cansaço não perdoava – e uma nova ponte (a de Paradela) para atravessar, um novo combate a travar e a ganhar. Afinal quem tinha chegado ali não podia desistir. Tinham sido percorridos 11,3 quilómetros. Aos 13,4 chegava a paragem de Santa Luzia, onde em tempos houve uma ponte a uni-la ao Amieiro e hoje é impossível fazer essa travessia, uma vez que a ponte caiu e nunca foi reconstruída. Ainda é possível ver vestígios da sua existência. As forças faltavam, as traves eram demasiado castigadoras, mas só faltavam 2,2 quilómetros… O grupo cada vez mais disperso, conversando em voz cada vez mais baixa, denunciava o fim das forças e o único tónico era mesmo a água que ainda sobrava, mas que de fresca tinha já muito pouco. Contudo, ainda havia forças para o espanto que causou quando, em sentido contrário, surgiu uma senhora. Não fazia parte do grupo que partira do Tua e que estava a desistir. Passou em passo compassado, mas acelerado… estaria ainda no início da marcha, mas ninguém parou para fazer perguntas, apenas um “Boa tarde!” de parte a parte.

(continua)

21 Outubro 2009 | As Artes entre as Letras


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