Menos Lisboa mais país

Um rotineiro exercício de zapping levou-me a um programa de debate sobre futebol. Pôncio Monteiro, Fernando Seara e Eduardo Barroso comentavam uma frase do portista, que afirmara que todo o poder está sediado em Lisboa. O cirurgião Barroso reagiu, enquanto o autarca Seara, mais mundano e prudente, deixou andar. Retive uma frase de Eduardo Barroso: o país é tão pequeno que isso (o Poder estar concentrado em Lisboa) é normal e não tem importância nenhuma. Reforçando a tese, Eduardo Barroso disse que acabara de chegar de Pequim e de Xangai, cidades com milhões de pessoas, e que lá ninguém liga a isso.

Barroso não disse nada de mais. É normal ouvirmos que o país é pequeno e que o Poder estar em Lisboa é coisa natural. Quem assim fala, normalmente vivendo em Lisboa, costuma acrescentar que a culpa é das pessoas do Porto, porque não há elites no Porto. A afirmação, esta e outras semelhantes não merecem já nenhum comentário, tão primárias são, refiram-se elas ao Porto ou a outra cidade. Mas são um pretexto para, agora que um novo Governo vai ser formado, chamar a atenção para correcções que têm de ser feitas, atendendo ao todo que é o país e não continuando a olhar apenas para a capital.

Anos e anos de expectativas frustradas, por (má) acção ou inacção de sucessivos governos, não abrem grandes janelas de esperança. A discussão da regionalização, ou de uma alternativa sólida que o municipalismo já provou não ser, deveria estar em cima da mesa, mas a verdade é que se perdeu tempo de mais a falar de coisas como o curso do primeiro-ministro e menos de coisas que podem ajudar a resolver muitos problemas. Os do costume dirão o costume: a regionalização não resolverá nada e vai criar mais uns quantos empregos que as máquinas partidárias depressa absorverão para seu proveito e sem que as populações daí retirem qualquer benefício. É certo que as máquinas partidárias poderão ter essa tentação. Mas o simples facto de agentes regionais passarem a dispor de mais meios para resolver problemas deles, regionais, é factor suficiente para se acreditar que valerá a pena: mais emprego, mais incentivos locais para se criar emprego, mais investimento local, logo maior desenvolvimento local, numa palavra, mais atenção às necessidades dos cidadãos. E até, quem sabe, uma boa possibilidade para, sem basismos nem ingenuidades, mas com verdadeiras políticas de proximidade, voltar a interessar os cidadãos pela coisa pública, chamando-os a participar e a decidir.

A regionalização será ainda uma miragem na legislatura que está a começar. É por isso que ao Governo se deve exigir um conjunto de políticas sociais e territoriais que diminua o fosso entre a capital e a... "província", e que tenha em atenção os gravíssimos danos sociais provocados pela crise económica. Há muito que o Governo pode e deve fazer. Menos Lisboa e mais país poderia ser um lema interessante. Até pela coragem. Ou, então, como ontem escrevia no JN o prof. Alberto Castro, "o Governo pode ajudar ou, pelo menos, não atrapalhar" nos casos em que localmente as comissões de Coordenação Regional vão fazendo um caminho que o tempo se encarregará de tornar inevitável.

P.S. - Ontem, no Porto, caiu mais um prédio. Já ninguém estranha. Aos poucos, a cidade vai caindo, e onde não cai mas tudo fica vazio, colocam-se tijolos. Há ruas com largas áreas de prédios emparedados. Em período de campanha eleitoral, estas coisas deveriam ser objecto de debate, de disputa. Mas como não há debate - será que as pessoas estão assim tão desinteressadas e descrentes da política? - as coisas vão andando e os portuenses vendo outras cidades a crescer, mesmo ao lado. Manuela Ferreira Leite acha que a coisa merece outra maioria absoluta. A maioria absoluta é boa ou má, pelos vistos, consoante é "nossa" ou dos adversários. Com políticos assim, o mínimo que podemos esperar é que os prédios continuem a cair...

José Leite Pereira (director do JN)

JN, 2009-10-07

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Isto é, mais regiões autónomas sem menos Lisboa.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)