Referendo é solução ou “armadilha”?

Críticas à obrigatoriedade do referendo e simultaneidade do “sim” a nível regional

A formação de regiões administrativas em Portugal estava prevista na Constituição mesmo antes do referendo de 1998. Em 1997, sob proposta de Marcelo Rebelo de Sousa, e durante governo de António Guterres foi feita uma revisão constitucional que consagrou a obrigatoriedade de realizar um referendo para viabilizar a regionalização.

Além da necessidade de ele ser vinculativo, o “sim” precisa de obter uma dupla vitória: a nível nacional e em cada uma das regiões propostas. O resultado foi o fracasso. No referendo de Novembro de 1998, o “não” venceu com 63,51 por cento dos votos contra 36,49 por cento do “sim”, registando-se uma abstenção de 51,7 por cento.

A possibilidade de um referendo volta a colocar-se com o primeiro ministro José Sócrates a incluir o tema no programa da actual legislatura, mas será este instituto parte da solução, ou um problema em si mesmo

A maioria das personalidades ouvidas realça a necessidade de se auscultar a população uma segunda vez por esta via, mas as críticas à condução do processo em 1998 e à improbabilidade de sucesso do “sim” são imensas.

Para Valente de Oliveira, presidente da Assembleia Municipal do Porto e uma das primeiras figuras em Portugal a reclamar a necessidade da divisão do País em regiões administrativas, o referendo de 1998 foi “um embuste”. Em entrevista dada ao GRANDE PORTO em Julho referiu que António Guterres “não tinha grande determinação em relação a este processo e Marcelo Rebelo de Sousa não é manifestamente um regionalista”.

Valente de Oliveira defendeu também a “alteração da disposição constitucional que impôs aquele arabesco tão complicado” porque “está feito precisamente para não se fazer a regionalização”.

REFERENDO TEM DE SER “DESARMADILHADO”

O ex-ministro Carlos de Brito, autor do livro “Regionalização: Uma Questão de Coragem”, considera que só o facto de as regiões autónomas da Madeira e Açores, criadas sem referendo, poderem “opinar” sobre o interesse das regiões no continente “é uma injustiça”. E a necessidade de referendo obrigar a uma votação de mais de 50 por cento dos eleitores “coloca a passividade como vencedora”.

Se não for retirada da Constituição a obrigatoriedade do referendo, este tem de ser “desarmadilhado” e tornado “transparente”, sem as amarras que o enquadram.

Carlos de Brito critica o mapa proposto em 1998 (regiões de Entre Douro e Minho, Trás os Montes e Alto Douro, Beira Interior, Beira Litoral, Estremadura e Ribatejo, Região de Lisboa e Setúbal, Alentejo e Algarve) por ter sido “extremamente condicionado pelos interesses político-partidários”.

A estratégia seria “supostamente saber quais eram as tendências de voto em determinado conjunto de concelhos e esses concelhos eram agregados em regiões”.

O presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Carlos Lage, realça a urgência do processo. Destaca a “singularidade” Constitucional que obriga a referendar unicamente esta matéria e diz que há uma espécie de esquizofrenia constitucional face às regiões”: por um lado “há um preceito que as consagra”, por outro há um “anticomando regimental que as impede, exigindo-se um duplo voto a favor a nível nacional (num país em que os cadernos eleitorais estão empolados) e regional”.

É necessário rever o artigo 256 da Constituição porque as regras previstas “são impeditivas para o sucesso”, finaliza.

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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Enquanto a produção legislativa não for directa e objectiva, continuarão a ser introduzidas armadilhas nos mais diversos níveis e tipos legislativos, sempre para resolver os problemas em curso mas com necessidade de intermediação jurídica, desejadamente desnecessária (e eu que o diga).
Por isso, o referendo faz parte desse conjunto armadilheiro que ensombra as nossas leis e que, procurando resolver alguma coisa, tudo condiciona e tudo deita a perder. Neste caso, são os serviços mínimos a justificar os lucros máximos. O referendo, portanto, continuará um embuste, nas palavras do regionalisto-administrativo Professor Valente de Oliveira e não foi inserido no texto constitucional, por proposta de um constitucionalista, para resolver seja o que for. Foi só para complicar, como é seu timbre.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Regionalização é um pretexto para o governo central se ver livre de certas obrigações sociais que passarão para a alçada regional. Os actuais impostos e taxas que já pagamos ficam tal e qual e destinam-se depois a pagar a máquina do Estado. As regiões ficam depois com as obrigações sociais e para isso será preciso dinheiro e as regiões terão que criar novos impostos ou taxas que financiem a saúde, o ensino, o desemprego, bolsas de estudo, ajudas à habitação, acção social em geral...
Caiam na armadilha e depois logo me dizem se tenho ou não razão.

Zé da Burra o Alentejano
'A estratégia seria “supostamente saber quais eram as tendências de voto em determinado conjunto de concelhos e esses concelhos eram agregados em regiões”.'

Que tremendo disparate. Afirmações destas cheiram a uma teoria da conspiração de mau gosto, e não são nada positivas para a imagem dos defensores da regionalização.
Anónimo disse…
Caro Anónimo,

O seu comentário deixou-me uma interrogação: mesmo sem regionalização, não é já o que está a fazer o Governo Central?

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
J.V. disse…
Ainda que mal pergunte, quem referendou as regiões autónomas dos Açores e da Madeira?