É comprido, mas vale a pena ler !

A Red Bull Air Race, o Porto, a Capital, e outros que tal...

Fruto da revolução industrial, do fim dos regimes monárquicos em prol da sistema republicano, ou pela transformação das monarquias em monarquias constitucionais onde o papel da realeza se resume à mera representatividade simbólica, mas sobretudo fruto da reorganização e transformação da Europa saída de duas guerras fratricidas que nos dividirem em dois pólos opostos e antagónicos, a Europa ocidental optou por abraçar um sistema político, económico e social assente na economia de mercado. Ao contrário dos Estados Unidos, a Europa tentou fundar-se num sistema que embora pendesse fortemente para um dos lados, não deixou de implementar certos modelos que pareciam justos vindos do outro lado.

Assim, tivemos, e ainda temos, um sistema que valoriza e fomenta a iniciativa privada, dando espaço a uma economia de competitividade, com o estado a centrar em si, através de mecanismos legais e constitucionais, assim como de instituições (Segurança Social, Serviço Nacional de Saúde, Ensino Publico e Universal,etc.) e até mesmo empresas e industrias por si controladas, que servissem como contra-peso a um sistema que logicamente é fundamentalmente sobre a sobrevivência do mais forte, e que descontrolado levaria a graves e profundas assimetrias na distribuição de riqueza (seja ela economica, social ou cultural) do todo que compõem os Estados soberanos.

Ou seja, cabe ao Estado garantir o desenvolvimento de todas as regiões que compõem o seu espaço soberano, e não à iniciativa privada. Esta, procura garantir-se a si mesmo e a sua existência é totalmente alheia à existência de um estado. O Estado têm fronteiras, limites geográficos, a iniciativa privada não. Esta última desloca-se para onde bem lhe interessa, seja para norte, centro ou sul (madeira e açores, que muitas vezes esquecemos que existem) ou para Espanha, qualquer país de leste, China, África ou outro lado qualquer.

Aliás, é por esta mesma razão, e agora falando de automobilismo, que me rio à gargalhada sempre alguém aparece por aqui a 'exigir' que as equipas portuguesas tenham pilotos portugueses a competir nas suas estruturas como se isso fosse um imperativo nacional. À iniciativa privada não cabe o papel de Santa Casa da Misericórdia... isso é papel do Estado. O que não faria sentido era existir uma equipa patrocinada por fundos públicos, com programas de incentivo e promoção de pilotos portugueses, e estas usarem o financiamento para colocarem em pista pilotos de outras nacionalidades.

É nesta lógica, sobretudo uma lógica de desenvolvimento europeia, que foi possível ultrapassar os resultados catastróficos que duas guerras que apesar de Mundiais tiveram origem na Europa e desenrolaram-se principalmente nesse espaço. Primeiro através da importante ajuda financeira levada a cabo pelos EUA, via 'Plano Marshall' cuja divida de gratidão ainda hoje é sentida e tem sido um factor que impede a Europa, agora unida, de ter uma papel de maior relevo a nível mundial e independente das vontades e necessidades dos EUA, e, segundo, através da criação da União Europeia, que através de uma série de programas de ajuda e incentivos financeiros, tem tentado equilibrar os níveis de desenvolvimento dos diferentes estados, e dentro destes, das diferentes regiões.

São estes princípios de solidariedade que são a base de uma Europa moderna e desenvolvida, e foram testados e comprovados quando países como a Alemanha, a Dinamarca, a Áustria, a Suécia, a Noruega, a Finlândia conseguiram renascer das cinzas, literalmente, e ocupar actualmente o topo de qualquer índice de desenvolvimento a nível mundial.

O que mais me preocupa nesta história não é o facto de a organização da Red Bull Air Race ter optado por deslocar-se para Lisboa (algo que não foi confirmado pela Organização, apenas pela CML e pelo Turismo de Portugal), mas sim pelo facto do Estado se ter alheado, uma vez mais, de um dos seus fundamentais papeis. Se é verdade que o Turismo de Portugal (estatal), e/ou a TMN, Galp, EDP, e CGD (estatais ou com participação maioritária do estado) foram fundamentais na deslocação da prova disponibilizando uma maior verba se a esta fosse em Lisboa, ou se de facto, como dizem, não tiveram qualquer intervenção, em ambas as situações negligenciaram o que deveriam promover: um desenvolvimento sustentável e homogéneo do território português, apoiando iniciativas fora das zonas mais fortes economicamente.

A macrocefalia em que este país vive, concentrando toda a larga maioria dos eventos com projecção mundial na capital, das obras públicas estruturastes, e do financiamento de projectos de índole cultural, turístico ou empresarial, isso sim é ser "anti-portugal" para usar uma expressão idiota já por aqui usada. Nenhum país que se preze, que se queira desenvolvido, pode subsistir numa lógica onde os mecanismos de bem-estar social, riqueza económica, cultura, promoção turística, única e exclusivamente numa área geográfica que não representa mais do que cerca de 15% da sua população. A Grande Lisboa (não o Conselho), representa 15% da População.

A saída da Red Bull Air Race, representa o fim de um retorno directo (o indirecto não está calculado) de 20 milhões de euros, que numa área que tem um o PIB mais baixo de Portugal, e um índice de desenvolvimento quase de metade da Capital, se transforma num rombo enorme para as empresas e para o comercio já de si em grandes dificuldades.

Quanto ao indirecto, uma coisa é certa, há estudos que apontam para um crescimento das visitas turísticas à cidade do Porto, e por arrasto a toda a zona do Douro Vinhateiro, fruto da projecção mediática da Cidade durante as provas do Air Bull Air Race. Há quem tenha vindo ao Porto pela primeira vez na vida, porque viu a cidade pela TV.

Numa coisa os autarcas de Porto e Gaia têm razão. O pouco dinheiro (menos de 2.5 milhões de euros)que custou trazer a RBAR ao Porto fez mais pelo seu turismo do que décadas e dezenas de milhões de euros gastos pelo Turismo de Portugal. A verdade, é que o Porto e o Douro necessitam mais deste evento do que a Grande Lisboa.

Não deixa de ser curioso, que os países mais pobres da Europa são predominantemente países centralistas, sem sistemas intermédios de governação entre o poder central e poder local ou que vivem sobretudo da concentração em torno das suas capitais de todas as grandes iniciativas estruturantes de uma nação.

Mas mesmo a boa vontade da União Europeia, e das sua iniciativas de apoio às regiões mais pobres da Europa parece não chegar neste país sui generis. Programas como o FEDER e do Fundo de Coesão, destinado a regiões cujo índice de desenvolvimento esteja abaixo da média europeia (sendo a média europeia o índice 100, Lisboa encontra-se com um índice de 135 e o Porto com um índice de 70), é simplesmente criminoso que o Governo Português tenha negociado uma adenda única (repito, única em todos os 27 países da UE) em toda a União Europeia, que lhe permite deslocar cerca de 40% dessas verbas para Lisboa.

O mais caricato disto, e que um dos argumentos utilizados, é que boa parte dessas verbas servirão para o pagamentos das instituições (estruturas físicas e do pessoal afecto) criadas para a gestão desses mesmo fundos, e que estão todas sediadas em Lisboa, quando, à imagem do que se passa por essa Europa fora, deveriam estar espalhadas pelas diversas capitais de distrito, ou regionais... mas não há regionalização em Portugal, apesar de esta ser um dever constitucional a cumprir, e que os diversos governos ao longo dos 30 anos de democracia têm sistematicamente esquecido de fazer cumprir.

É totalmente hilariante a defesa de uma ideia de que os eventos internacionais se concentram das zonas turísticas, e logicamente devido a isso estas se concentram em Lisboa e no Algarve.... mas desde quando é que o turismo em Portugal se resume a Lisboa e o Algarve? Lisboa vive sobretudo do Turismo Patrimonial e Cultural, assim como o Porto, ou Braga, ou Guimarães, ou Coimbra, e essas cidades em maior ou menos escala têm as suas potencialidades. Depois há outro tipo de Turismo como o Eco-Turismo (Alentejo, Gerês e interior norte, centro de Portugal), ou Turismo de Praia (Algarve, Costa Vincentina), etc...

O que o estado tem feito na promoção dos mais variados tipos de Turismo? Pouco... em termos patrimoniais, tirando o Programa Polis, financiado pelo PIDDAC, que por sua vez é financiado em mais de 75% por verbas europeias, nada têm sido feito. Reduzindo os 13 locais considerados Património Mundial em Portugal a apenas os que englobam vastos conjuntos edificados (e não construções isoladas), ficamos com: Centro Histórico de Angra do Heroísmo, Centro Histórico de Évora, Centro Histórico do Porto, Centro Histórico de Guimarães.

O que tem feito o estado pela recuperação e preservação destas áreas, importantes em termos de turismo Patrimonial e Cultural? Zero. O pouco que tem sido feito é da iniciativa limitada das Câmaras municipais, ou no caso de Angra do Heroísmo, do Governo Regional.

Nada é feito por elas, mas a anterior legislatura aprovou a deslocação de 400 milhões de euros do erário público, dinheiro vindo dos impostos de Lisboa, Porto, Braga, Faro, Évora, Guarda, Funchal..... para a renovação da frente ribeirinha de Lisboa, que bem precisa é certo mas não é a única a precisar.

A National Geographic considera, dentro dos seus critérios, o Algarve como um dos 50 piores destinos Turísticos do Mundo, e a Zona do Douro Vinhateiro está nos 50 melhores.... tenho a minha opinião sobre o assunto, e independentemente do julgamento que se possa fazer dos critérios da National Geographic (justos ou não isto é apenas um exemplo), a questão é que o Turismo está longe de ser uma ideia empacotada e uniformizadora que pretendem vender. Há quem goste de praia e discotecas, e há quem goste de natureza e sossego, e há quem goste de museus, teatros e patrimónios, etc, etc.... Turistas e Turismo há para todos os gostos e feitios.

Enquanto isso, 10 projectos para resorts situados na costa Algarvia foram considerados PINs (Projectos de Interesse Nacional), mas projectos de resorts para nas beiras, na área compreendida entre Coimbra, Leiria, Caldas da Rainha e Serra da Estrela, e outros no Douro Vinhateiro, não o foram!

Em termos culturais, que me tocam de forma mais pessoal, Guimarães vai ser com toda a justiça Capital Europeia da Cultura em 2012, não graças ao Estado mas sim graças a uma empresa de promoção de eventos privada que o Município de Guimarães teve de contratar com o seu dinheiro para refazer integralmente o desastroso dossier de candidatura que a primeira comissão de candidatura, criada pelo estado a pedido da Câmara de Guimarães, havia feito. Um dossier montado inicialmente para a pura derrota.

Mas, atenção, se por um lado temos (a Norte, no Centro, e a Sul de Lisboa) de resistir a um sistema de concentração absoluta de tudo, e qualquer dia de todos, na capital, por outro lado é também verdade que puderiamos fazer muito mais do que fazemos actualmente. No essencial não resolveria todas as questões, mas no particular poderia solucionar algumas. Aqui no Norte, aliado a alguma figuras pouco recomendadas que insistentemente colocamos à frente dos locais de decisão, temos ainda nos genes restos da anterior ocupação celta desta zona do país.

Tal como os celtas, passamos a maior parte a discutir o que nos separa entre uns e outros (Porto, Braga, Guimarães, Vila Real, Bragança... Litoral/Interior) do que a discutir o que nos une. Estamos a maior parte do tempo preocupados com os nossos feudos (cidades) e não com a região como um todo que deve ser potênciado e desenvolvido de forma o mais uniforme possível.

No que diz respeito unicamente ao Porto, é obvio que como maior cidade no Norte, encerrará em si mais iniciativas do que as restantes, tal como é lógico que assim o acontece em relação a Lisboa com o resto do país. O que não é aceitável, é que o Porto queira ser uma pequena Lisboa implementada no Norte, e concentrar em si todas ou a larga maioria, e, infelizmente, muitas vezes é essa a mensagem que passa.

O Porto não pode apostar na repetição daquilo que tanto critica em Lisboa, e que esta tem de má, numa escala regional.

Concluindo, uma pequena nota aos meus conterrâneos: Os alfacinhas são pessoas como nós, e que nos merecem todo o respeito. O problema de Lisboa não são os alfacinhas (esses são o que Lisboa tem de melhor), mas sim os 'Lisboetas', que são um constituídos por pessoas das Beiras, do Alentejo, do Norte, que saíram das suas terras e chegados à capital, sentindo-se com o Rei na barriga, rapidamente renegaram as suas raízes e nada fazem pelas suas terras, antes pelo contrário... ainda têm a grande lata de quando vão e férias a 'casa', dizem que vão à província, e quando chegam acham-se melhores do que todos os outros.

Não quero ver Lisboa a arder, nem destruída por terramotos, isso é pura estupidez, mas quanto a esses ( os 'Lisboetas'), e usando um chavão revolucionário do 25 de Abril, enfiem-nos todos no Campo Pequeno e façam com eles o que bem entenderem.

|Le Mans|

Comentários

Anónimo disse…
Caro António Felizes,

Relembro-lhe que tudo isto é "CIRCO" e o centralismo já nem sequer suporte que a inicativa do circo continue cá em cima. E como circo, não deixa de ser um negócio chorudo para outros cuja implicação na regionalização é nula. Alerto-o ainda para o facto de, daqui a alguns anos, tal espectáculo vir a ser proibido e a sua proibição criminalizada por ferir as condições ambientais como já se fez para o tabaco, mas na sua versão sancionatória minimalista.
Não nos incomodemos mais tempo, pois de tudo o resto já TODOS temos sobejado conhecimento e sofridas consequências.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Caro Anónimo pró-7RA.

Concordo consigo quanto ao carácter circense do Red Bull e quejandos.

Todavia este artigo do 'le mans' é muito mais profundo e vai muito para além destas manifestações de conjuntura.

Aproveito a oportunidade para desejar que esta quadra festiva lhe traga felicidade.

Cumprimentos,