Regionalização (8)


A regionalização parece ter entrado definitivamente na ordem do dia, melhor dizendo, na ordem deste mandato legislativo.

A regionalização tem sido tradicionalmente uma reivindicação de regiões que se consideram desprezadas ou prejudicadas por quem decide a partir do Terreiro do Paço, seja porque consideram haver excessiva centralização o que acarreta maior inércia na decisão, seja porque consideram haver excessivo distanciamento das realidades e dos problemas de municípios de menor dimensão e de características menos urbanas e cosmopolitas, seja porque, tudo conjugado, resulta em prejuízo do país que se traduz na criação e aprofundamento contínuo de assimetrias regionais.

A regionalização seria a criação de um poder intermédio, emanado de parcelas do território e por isso descentralizado, mais próximo e fortemente ancorado nas respectivas populações. Uma autarquia regional.

A favor da regionalização argumentam os seus defensores, que é um desígnio constitucional que está por implementar é um instrumento para fazer cumprir ao nível local o terceiro 'D' do programa político do MFA, o desenvolvimento; que a sua existência permitiria descentralizar o poder e aproximar os decisores das realidades e problemas; que um poder distribuído é mais democrático porque impede excessos e promove equilíbrios entre os vários poderes mas também aproxima estes dos cidadãos.

Contra a regionalização argumenta-se que o país é demasiado pequeno, que tem a dimensão de uma região média das existentes noutros países; que não tem clivagens significativas em termos sociológicos, políticos ou geográficos, que existem divisões administrativas em excesso, (as freguesias são inexistentes noutros países), que consagrar mais divisões e cargos políticos divide e acicata regionalismos e promove conflitos regionais e institucionais; que a criação de mais cargos e instituições acarreta maior despesa 'morta' e burocracia e que se pode alcançar os mesmos objectivos da regionalização por outros meios, por exemplo através da descentralização de poderes.

Uns consideram-na inevitável, outros um falso problema e um desperdício. Uns concordando com ela, discordam dos mapas propostos para as regiões, outros dos poderes e verbas a transferir, outros dos órgãos a criar e se devem ou não ter legitimidade própria através de eleições regionais. Outros, discordando da regionalização, têm diferentes propostas para responder aos problemas e objectivos.

A razão porque este tema é tão popular e fracturante é porque quando se fala em regionalização,cada um tem a sua ideia de regionalização e refere-se a essa; não existe em concreto um modelo único —ou vários, concretos e já definidos aos quais nos possamos referir, concordando ou discordando, no todo ou em parte.

Parece desenhar-se no interior do maior partido da oposição e de uma forma mais ampla, no seio da direita portuguesa, uma viragem na sua visão do problema. Outrora contestaram a regionalização opondo a essa solução a descentralização administrativa e a criação de associações de municípios em áreas metropolitanas (GAM's) ou comunidades urbanas (ComURB), agora aparecem sectores a defender a regionalização e a propor até um mapa que consideram ser de consenso entre os dois maiores partidos, que corresponde à divisão do país nas 5 NUT II (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo,Sul e Algarve). Com a perda de influência nos sectores mais urbanos e cosmopolitas, muito pelas suas posições conservadoras em relação aos costumes e à liberdade individual, parecem agora querer pôr-se em bicos de pé para se assumirem como defensores da interioridade.

Pelo lado do maior partido, o PS, também o seu líder parlamentar veio colocar este tema como passível de ser trazido para debate e resolução neste mandato; em tom menos imediatista, mais cauteloso mas sem menor entusiasmo nas suas palavras, veio promover um amplo debate sem ideias pré-definidas e sem pressas acerca do tema da regionalização.

Parece inevitável que nos associemos a esse debate.

Sou dos que têm imensas reservas acerca da regionalização, ou mais precisamente do modelo que nos tem sido proposto e por precaução votei contra no referendo realizado no passado. O tempo decorrido não trouxe argumentos que dissipassem as minhas dúvidas e reservas, mas creio que o debate está longe de estar esgotado e estou aberto a que novos argumentos me possam convencer a integrar o grupo dos convertidos.

Se o que se pretende é reduzir assimetrias e promover o desenvolvimento de municípios do interior ou do litoral com debilidades sócio-económicas, de infra-estruturas ou de qualidade de vida, ou ainda de aproximar os decisores da coisa a decidir, não me parece que a criação de novas regiões administrativas seja o instrumento que melhor atalha o(s) problema(s).

As assimetrias derivam de um continuado desinvestimento, ou se quiserem, de um investimento desequilibrado feito continuadamente.

É a velha história de que 'recebe mais, quem mais berra', e quem está mais próximo tem mais facilidade de 'berrar' junto dos ouvidos de quem decide; por seu lado, quem decide tem tendência a fazer investimentos próximos da sua porta. Para atalhar este 'vício' do sistema, é necessário retirar a arbitrariedade a quem decide; como se faz isso? Criando-se um conjunto de índices e indicadores que evidencie as assimetrias e um conjunto de critérios de investimento/transferência do OGE que as corrijam.

Mas, poderão dizer que isso já existe. Sim existe: a Lei de Finanças Locais atribuí/transfere do OGE receitas do Estado segundo critérios objectivos e que se baseiam em índices; uma das fatias tem até o nome de de Fundo de Coesão Municipal. Conhece-se o resultado da aplicação desta lei: precisamente as assimetrias de que nos queixamos. Então, há que rever indicadores e índices, há que corrigir a máquina geradora das assimetrias.

A questão da proximidade dos decisores está resolvida com a primeira. Já existem as GAM e ComURB, que aliás se associaram livremente, sendo de esperar que, se são contíguos e próximos, tenham também alguma semelhança quanto ao grau de desenvolvimento. Têm órgãos próprios nos termos da lei que podem ser ou não adequados; está assim resolvida a questão da proximidade.

Está resolvida porque é a autonomia financeira que potencia o poder autárquico/local/regional e não a criação de qualquer novo órgão ou divisão administrativa. De resto, um dos conceitos políticos que 'herdamos' da União Europeia foi o da subsidiaridade, segundo o qual, deve decidir o poder que mais perto está do problema; não há nada a inventar, portanto.

Ao acréscimo de poderes e meios deve corresponder um acréscimo de fiscalização dos órgãos legislativos e fiscalizadores sem o qual a mudança seria desastrosa.

Dir-me-ão: mas esse é o projecto que o PSD implementou e que deu os resultados que conhecemos.

Não, não é. Tem em comum com ele o facto de não criar cargos políticos novos, mas o PSD criou as associações de municípios com o objectivo de captar para eles sobretudo fundos comunitários, mas não alterou a máquina de distribuição da receita pública que é a Lei de Finanças Locais, a verdadeira fonte dos desequilíbrios.

Quando se pensa em regionalização, pensa-se numa autarquia intermédia – entre o poder local tal como o conhecemos (municipal e metropolitano) e o poder central (governo)– e numa região; uma região é, em sentido estrito, um conjunto de parcelas de território contíguos, mas num sentido lato, podemos considerar uma região um conjunto de parcelas de território com determinadas características comuns,:por exemplo, a região dos parques naturais e zonas protegidas, constituída por todos as porções de território com essa classificação, ou por exemplo, a região serrana, constituído por todas as parcelas de território acima dos 500 metros de altitude.

Nestes termos, poderemos considerar, por exemplo, três regiões A, B e C constituídas por todos os municípios cujo índice estatístico está situado entre dois limites, resultando naturalmente em zonas descontínuas. O índice terá obviamente de ser um índice composto, já que não existe um simples que em absoluto seja indicador de realidades tão complexas como os municípios.

Regiões deste modo organizadas não geram divisões administrativas até porque seriam regiões dinâmicas e dificilmente cargos políticos, mas agrupam municípios com igual condição que devem ter nos anos próximos um investimento adequado.

A questão que logo surge é: como se faria o governo, a tomada de decisão em tais regiões? Essa pergunta tem a resposta óbvia: não haveria governo, pois do que se trata é de tomar medidas e desenvolver programas de discriminação positiva em relação aos municípios em défice, tal como a UE faz relativamente às regiões mais pobres e periféricas– redução de impostos e incentivos fiscais, reforço orçamental para programas específicos dirigidos às debilidades, etc.

Os eleitos locais inseridos nos agrupamentos de municípios saberão aproveitar e adequar os incentivos e programas à sua realidade local. Talvez fosse adequada a existência de um ministério ou secretaria de Estado na dependência do ordenamento do território e/ou de um órgão de reflexão/acompanhamento, constituído, ou na orla, dos municípios.


Outra possibilidade é a criação de regiões contínuas em que o critério para a associação é o da
interioridade.

Assim, um possível mapa de três regiões seria, por exemplo, agrupar municípios cuja limite interior dista da orla marítima até cinquenta quilómetros, entre cinquenta e cem quilómetros e para além dos cem. Resulta um mapa de regiões longitudinais que responde bem à continuidade territorial e menos bem à correcção das assimetrias, uma vez que agrupa dentro de cada região, municípios de diferente estado de desenvolvimento, é um meio termo entre os dois modelos. Uma variante poderia ser o simples agrupamento dos actuais distritos.

Também aqui seria difícil equacionar a existência de um 'governo' das faixas resultantes.

Uma coisa é certa: por oportunismo político, por necessidade de criar novos 'tachos' para os 'dinossauros' expulsos das autarquias ou por genuína preocupação com a coesão nacional (ou falta dela), a discussão do tema por si, se colocar a tónica no desenvolvimento do interior, no combate à centralização, e ao reforço dos poderes locais já existentes, designadamente das assembleias legislativas e fiscalizadoras (Assembleias Municipais e Metropolitanas), será um bom contributo para que o desenvolvimento possa a prazo chegar ao interior. Se assim não for, ficarão apenas mais 'tachos' e 'dinossauros' com reforçado poder, legitimidade e arrogância, com a acentuação das assimetrias regionais, subdesenvolvimento e morte social do interior.

Está por provar que a centralização e assimetrias estão directamente associadas e são causa e efeito, como está por provar que a descentralização é mais equitativa. Centralização e assimetrias verificam-se em todos os escalões de poder; não é criando um novo patamar de poder que se combate a centralização, antes pelo contrário.

Tal argumento a ser considerado, levar-nos-ia a criar entre o nível do município e das freguesias igualmente um poder intermédio, tais são as assimetrias verificadas entre as sedes dos concelhos e as restantes freguesias.

Do mesmo modo, a regionalização da Madeira e dos Açores não é a fonte do desenvolvimento, mas sim os recursos que para aí foram transferidos. Desde logo pelo diferenciado grau de desenvolvimento desses dois territórios, depois porque são conhecidas as 'vendetas' políticas dos deputados da Madeira quando se trata da aprovação dos orçamentos de Estado e finalmente porque a fatia do orçamento que nestas décadas tem sido transferida para a Madeira é tudo menos equitativa.

É essencial não permiti que o debate seja inquinado por actores políticos e económicos que pretendem em primeiro lugar apropriar-se de novos palcos de poder e maiores fatias do bolo do orçamento e desprezam a realização do desenvolvimento equilibrado dos territórios empobrecidos do país,

|Armando Herculano|

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Li na íntegra este "post" do Senhor Armando Herculano. Nunca vi um texto sobre regionalização tão dependente de interesses partidários e tão sem senso face à problemática da regionalziação como este, escrevendo muito sem significar nada para a efectivação da regionalização como instrumento político de desenvolvimento, em termos de longo prazo. As condições sobre a "subsidiriedade" são confrangedoras porque, no nosso País, todas as decisões do ponto de vista financeiro que afectam os municipios e as "regiões" são (e continuarão a ser) tomadas por um Governo central, apostado em centralizar geograficamente num número reduzido de "centros decisores" todas as decisões mais administrativs que políticas.
O autor do "post" nem sequer se digna informar-nos sobre o ponto de chegada não só das suas dúvidas como das soluções "regionalistas" que ainda admite serem implementadas a medo (quem tem medo deverá comprar um cão).
Com esta posição de modo algum estou a nem pretendo criticar os critérios editoriais do coordenador deste "blogue" que muito respeito e admiro.
Outro enfim, ...

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)