As ordenanças urbanísticas

As ordenanças urbanísticas da CCDR-Alentejo e CCDR-LVT e do Governo Regional da Madeira, e a reação dos autarcas

|Nuno Gomes Lopes|

Há dois papéis antagónicos que encontro neste jogo-do-empurra político, visto à distância a que me situo: a do autarca empedernido, incompetente, populista e reacionário, que contraria os ditames urbanísticos das instâncias superiores; e a do autarca também potencialmente populista mas corajoso, que enfrenta os ditames urbanísticos das instâncias superiores.

Acreditando eu pouco ou nada na variação dos autarcas por Portugal fora, resta-me a óbvia constatação que, nesta formulação tão simétrica, o que varia são as instâncias superiores. E, como espero demonstrar, isso pode ser de maior importância.

O primeiro exemplo diz respeito aos municípios da Área Metropolitana de Lisboa e do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral, e à sua discordância face aos Planos Regionais de Ordenamento do Território, respetivamente da Região de Lisboa e Vale do Tejo e do Alentejo.

Os de Lx desejam “medidas e orientações que visem um melhor desenvolvimento integrado de Lisboa, contribuindo para recuperar população, qualificar o seu tecido económico e o emprego, melhorar e aumentar os seus equipamentos e serviços”, os do Alentejo afirmam que o documento “tem que ser potenciador da competitividade do território, gerador de mais e melhores oportunidades e promotor de um desenvolvimento tão desejado mas tantas vezes adiado”.

O que querem dizer os autarcas com isto? Basicamente, e traduzindo para português, ‘desenvolvimento’ é construção. Esse desenvolvimento ‘tantas vezes adiado’ é gerido por 308 municípios no país, que nesta perspetiva podem ser vistos como 308 maneiras diferentes de encarar o território. Cada Câmara gere o crescimento urbanístico da terra. É a única lógica comum a todos os municípios portugueses – ‘desenvolvimento’ é construção, e a construção não pode parar.

No caso de Lisboa, a CCDR-LVT desejava o controlo do aumento do número de habitantes previsto. Este parece-me um estratagema um tanto artificial, mas que visa a redução das áreas de expansão desejadas por cada município.

Vendo o número excessivo de fogos, construídos ou não recentemente, que se encontram vagos, e reduzindo-se as expetativas de crescimento populacional das autarquias, normalmente irrealistas, reduzem-se os argumentos para que as autarquias possam justificar essas expansões. O crescimento indiscriminado da área urbana das cidades não é uma brincadeira jogada por 308 crianças no país, mas um sério problema que o país tem de resolver. Já.

Uma das possíveis virtudes da regionalização será a de gerar políticas específicas de território para as 5 regiões que surgirem (NUT II), para que cada NUT III (sub-região) possa aplicar essas políticas. Ora os municípios, uns NUT IV que nem sequer existem, querem ser 308 micro-gabinetes de planeamento, sem uma cadeia hierárquica à qual obedecer, sem diretivas, sem comando, no final sem lógica entre si.

Os executivos autárquicos regem-se por uma cantiguinha 'très simple': as obras trazem votos, os votos trazem mandatos, os mandatos trazem obras. E etc (A. J. Jardim tinha uma quase igual).

Um dos atos públicos mais populares em Portugal é o da expansão urbanística, que também se podia chamar de ‘política do não sei bem o que estou a fazer, mas também ninguém me responsabiliza’. Todos querem ter as suas casinhas com quintal, os centros vão esvaziando-se, aumenta a motorização, os acidentes, o congestionamento automóvel, e todos os problemas associados a isto.

Tudo numa lenga-lenga entorpecedora em que elegemos os mais medíocres de entre nós, e nunca os mais imbecis ou os mais inteligentes, para que rejam as nossas decisões urbanísticas. Como se gerir uma casa não fosse muito diferente de mandar numa autarquia com alguns milhares de habitantes.

Um pouco (para já) avessas a estes populismos, as Comissões de Coordenação do Desenvolvimento Regional (CCDR, proto-governos regionais) parecem normalmente tomar as decisões corretas. Lutam por um desenvolvimento sustentável, por transportes públicos, pelo ordenamento racional. Apesar de não irem a votos, os seus líderes são nomeados pelo Governo Central, o que lhes pode roubar alguma da autonomia mas garante, pelo menos no caso de Carlos Lage e da sua CCDR-N, alguma liberdade de ação e de contestação. Por isso, e por regra, sempre que leio ‘conjunto de municípios Y estão contra deliberações da CCDR-X’, tendo a tomar o lado das CCDR.

Um segundo exemplo, oposto, é o do Funchal. Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional, decidiu, como sumo-master-rex do planeamento e tudo o mais que lhe apareça à frente, que é tudo para reconstruir como estava, e que os detritos que sobraram no Funchal servirão como base para o prolongamento da cidade para o mar.

Miguel Albuquerque, Presidente do Município do Funchal, disse que não era bem assim. Desconhecendo na totalidade os méritos de gestão autárquica de Miguel Albuquerque (e conhecendo apenas a sua feliz parecença com um lobisomem), mas conhecendo o erro terrível para a Madeira que significou a eleição de Alberto João Jardim há 32 (!) anos, tendo a tomar o lado do senhor lobisomem – digo, senhor presidente da Câmara. Primeiro, por ser um dos únicos madeirenses a fazer frente ao Grande Líder – e segundo, por preferir a ponderação e a razão à verborreia administrativa de A. J. Jardim. Coragem, pá.
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