Valença, a Raia, o Alto Minho e o centralismo (parte I) - Comparar o que é comparável

No decorrer deste período, em que muito se tem falado na manutenção de um Serviço de Atendimento Permanente na cidade de Valença, região de Entre-Douro e Minho, não raras vezes ouvimos cidadãos de alguns concelhos, nomeadamente das Áreas Metropolitanas de Lisboa ou do Porto, criticar os motivos dos manifestantes de Valença, argumentando que nos seus concelhos a distância ao Serviço de Urgências permanente mais próximo é semelhante.

Neste seguimento, há que esclarecer que esta comparação não pode ser feita, pelo menos desta forma. Há que comparar a distância aos serviços de urgência, mas há também que considerar o tipo de unidade de que falamos, e respectivas valências.

Assim, vejamos três situações, em resposta à argumentação de dois participantes neste blogue:

*Uma pessoa que se encontre em S. Pedro da Cova (concelho de Gondomar) se necessitar de recorrer a um serviço de urgências médicas à noite, é efectivamente obrigada a dirigir-se ao Hospital de Santo António.
Com as acessibilidades existentes, que incluem uma auto-estrada (IC29/A43), chegam à urgência em cerca de 20 minutos.

Se por acaso o utente necessitar de cuidados médicos mais aprofundados, eles são-lhe prestados no mesmo local, ou seja, no Hospital de Santo António, que possui um Serviço de Urgência Polivalente (o serviço mais completo e funcional que se pode encontrar na hierarquia dos Serviços de Urgência em Portugal).

*Uma pessoa que se encontre em Sintra e necessite de recorrer a um serviço de urgências médicas, deslocar-se-à ao Serviço de Urgência Básica de Sintra, localizado em Algueirão-Mem Martins, que está a uma distância de cerca de 8,5 km, que são facilmente percorridos por auto-estrada em 14 minutos.

Se o utente necessitar de cuidados médicos mais aprofundados, será encaminhado para o Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica do Hospital Fernando da Fonseca, vulgo Hospital Amadora-Sintra. Mais 10 km (cerca de 11 minutos), percorridos por auto-estrada.

Se o doente necessitar de cuidados de saúde altamente especializados (por exemplo, se necessitar de uma Cirurgia Plástica ou Reconstrutiva), aí sim, terá de recorrer ao Hospital S. Francisco Xavier ou ao Hospital Egas Moniz, onde se localiza o Serviço de Urgência Polivalente.
São mais 7 kms, que em tempo não corresponderão a mais do que 11 minutos.

* De sublinhar que, quer no caso de S. Pedro da Cova, quer no caso de Sintra, o doente efectuará o percurso no sentido ascendente, ou seja, o hospital com Serviço de Urgência Básica fica a caminho do hospital com Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica, que fica a caminho do hospital com Serviço de Urgência Polivalente.

*Já uma pessoa que se encontre em Valença, se necessitar de recorrer a um Serviço de Urgências, terá de se deslocar a Monção. São 17 kms, não há auto-estrada e a N101 não permite velocidades muito elevadas, o que faz com que o percurso leve cerca de 20 minutos a ser efectuado.

Se o utente necessitar de cuidados médicos mais especializados, será encaminhado para o Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica do Hospital de Viana do Castelo.São mais 68 kms, que levam mais 1h15 a percorrer, com direito a nova passagem (turística?) por Valença.

Se o doente necessitar de cuidados ainda mais especializados, não lhe restará outra alternativa que não ser transportado ao Serviço de Urgência Polivalente do Hospital de São Marcos, em Braga. Mais 62 kms, que levam cerca de 43 minutos a ser percorridos.

Os 3 casos, em resumo:

A partir de Sintra:
URGÊNCIA BÁSICA: 8,5 km (14 min.)
URGÊNCIA MÉDICO-CIRÚRGICA: mais 10 km (11 min.)
URGÊNCIA POLIVALENTE: mais 7 km (11 min.)

A partir de S. Pedro da Cova:
URGÊNCIA BÁSICA: 16 km (21 min.)
URGÊNCIA MÉDICO-CIRÚRGICA: no mesmo local
URGÊNCIA POLIVALENTE: no mesmo local

A partir de Valença:
URGÊNCIA BÁSICA: 17 km (20 min.)
URGÊNCIA MÉDICO-CIRÚRGICA: mais 68 kms (1h15)
URGÊNCIA POLIVALENTE: mais 62 kms (43 min.)

Em resumo, um valenciano gasta pelo menos 2h18 minutos em viagens para aceder a um serviço de urgência com a qualidade do que um sintrense ou um gondomarense tem a poucos minutos de casa.

Como se isto não bastasse, enquanto um sintrense ou um gondomarense faz o percurso de forma directa (os serviços de urgência ficam a caminho uns dos outros), um valenciano é obrigado a fazer um percurso ziguezagueante: de Valença vai para Monção, de Monção vai para Viana do Castelo (com direito a voltar a Valença pelo caminho- são 34 kms para nada), de Viana do Castelo vai para Braga.

Experimente olhar para o mapa e visualizar os percursos:

A partir de S. Pedro da Cova:


A partir de Sintra:


A partir de Valença:


(Legenda:
A- Local de Partida
B- Serviço de Urgência Básica
C- Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica
D- Serviço de Urgência Polivalente)

Fará algum sentido andar literalmente aos ziguezagues com um doente durante horas, se este doente? E se este doente estiver em perigo de vida? Em saúde, poucos minutos fazem muitas vezes a diferença entre a vida e a morte. E a fronteira entre a vida e a morte é certamente muito mais importante e vincada do que qualquer fronteira política...

Posto isto, ainda é possível achar que os valencianos estão fazer birra? Que a luta deles não tem sentido?

Esta não é uma questão exclusiva de Valença: há muitos outros concelhos em situação semelhante. O destaque dado a Valença deve-se ao facto de os valencianos se terem manifestado energicamente.

Tui, do outro lado do rio Minho, tem população semelhante a Valença, em número, e as suas urgências não só se mantêm abertas durante a noite como as infra-estruturas estão a ser melhoradas. Tudo isto obra da Junta Regional da Galiza- os encerramentos são obra do Governo central de Portugal.
A acrescer a isto há ainda o facto de os serviços na Galiza serem GRATUITOS enquanto os serviços em Portugal são PAGOS.

E ainda para mais os Galegos abriram as portas dos seus serviços de saúde aos Portugueses, quando os de cá foram traídos pelo fecho de serviços obrado pelo Governo Central.

Uma das razões que os Valencianos apontam para colocar bandeiras espanholas nas varandas de suas casas é o agradecimento por esta atitude. A quem acham que os Valencianos têm mais que agradecer? A Portugal, que recebe o dinheiro dos seus impostos, sobrecarrega-os de taxas pelos serviços de saúde e ainda os fecha? Ou a Espanha, que recebe os doentes gratuitamente?

Dá que pensar...


Afonso Miguel

Comentários

Rui Farinas disse…
Tirando o detalhe do maior ou menor rigor dos tempos de percurso,acho a exposição muito boa e a pergunta final perfeitamente pertinente. Deixo outra pergunta: quem mais prejudica a "coesão nacional"? Os centralistas ou os regionalistas? Cumprimentos.
Anónimo disse…
Um pouco de coerencia ate' nem ficava mal!
Entregue-se Valenca..... e a pouco e pouco o que vai restando !
Regionalistas sao ignorantes uteis. Ponto final.
Anónimo disse…
Não concordo em nada do que foi exposto sobre Valença. Mais, ainda, só são "cidade" por uma jogada politica, porque em Valença não existe nada de nada... Dependem das vilas vizinhas e de Tui para sobreviver. E agora com esta treta das bandeiras espanholas perderam a razão toda. A conclusão mais lógica é a do aproveitamento politico desta situação e de uma tentativa de promoção para futuras eleições. Vejam quem fala sempre na tv.
Fronteiras disse…
Muito bom trabalho, caro Afonso Miguel. Concordo com o que diz o Sr. Rui Farinas. Mesmo que os tempos não sejam rigorosamente exactos, mas dá para fazer uma ideia do que é viver no interior e isso que Valença não é bem "interior".

Há casos mais dramáticos como o caso dos habitantes do concelho de Freixo de Espada à Cinta, em Trás-os-Montes. O hospital mais próximo fica em Mirandela, a uns 90 km. e o hospital de referência em Bragança a 140. Isso por umas estradas que conheço bem e que são terríveis, se bem houve melhoras recentes. Até o hospital de Salamanca fica mais próximo (a 120 km.) e por umas estradas muito menos complicadas (basta passar a barragem de Saucelle) e a estrada fica numa extensa peneplanície sem relevos significativos.

Para o Sr. Anónimo, já que fala tanto em coerência, mostre-nos qual é a sua porque o que vi até agora como "argumento" são os seus insultos. Muito coerente. Sim senhor!
Fronteiras disse…
Para o segundo anónimo. Segundo a sua teoria, nenhuma cidade, vila, aldeia ou povoação devia ter direito a nada. Que eu saiba, num mundo interligado, todos dependemos de todos para sobreviver. Valença é essencialmente uma cidade comercial, mas também tem zonas industriais no concelho. Não sei qual é o seu conhecimento sobre a região mas enquanto pessoa que se desloca por esses lados várias vezes por ano, não vejo que não exista nada.

Se a Lisboa lhe tirassem todos os locais comerciais que tem, sobreviveria de quê? Não é só escritórios. Se eu e muitas outras pessoas não fôssemos a Lisboa fazer determinadas compras, qual seria o real efeito na economia da região. Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Bragança, Guimarães, Valença, sim, até a aldeia mais pequena sobrevivem do que nós, portugueses, fazemos com os nossos hábitos de consumo ao comprar a nossa roupa, os alimentos, tomar um café, passar férias.

E não acho que tenham perdido razão nenhuma. Penso que deviam ter escolhido a bandeira da Galiza, já que a matéria de Saúde pertence ao SERGAS, o Serviço de Saúde Galego, descentralizado e competência daquela região autónoma. Mas como ainda há muitos portugueses que não conhecem a realidade política do país vizinho, optaram pela bandeira espanhola com o intuito de irritar. E é óbvio que conseguiram a julgar pelo prurido que tem causado em determinados «patriotas».
Anónimo disse…
Comungo destas palavras "De resto, dizer-se que os pacientes têm de andar para um lado e depois no sentido inverso para Viana do Castelo, só serve de arma de arremesso porque, na verdade, se o problema urgente for resolvido em Monção o percurso inverso é apenas o necessário para regressar a casa.
Poderão os meus leitores alegar que defendo a actual situação apenas porque estou do lado dos mais favorecidos mas eu digo que tal não corresponde à verdade. Eu preferiria sempre deslocar-me alguns quilómetros para ter acesso a um serviço que de facto me providenciasse os cuidados necessários e urgentes com qualidade a ter um SAP ao pé da porta apenas para emitir uma "guia de marcha" para outras paragens."
Anónimo disse…
GA o que o senhor chama de insultos, nao sao insultos, sao a voz do povo em resposta a essas elites, intelectuais de avia'rio sem experiencia alguma na mai'oria dos casos e com agenda escondida com rabo de fora!
Fronteiras disse…
Para Anónimo (último):

O seu "argumento" é tão surreal que tive de rir à gargalhada. Peço desculpa.

Já agora, por falarmos em agendas, não estou a encontrar a minha. Deve estar escondida...
Caros Gaiato Alentejano e Rui Farinas:

Folgo em ver que gostaram do texto.

Um bem-haja.

PS: Em relação aos tempos, sei que não são os mais precisos, mas não me restou mais do que utilizar a ferramenta Google Maps.

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Quanto aos outros dois anónimos, parece que denotam um certo desespero na defesa do centralismo. Faltam-lhes cada vez mais os argumentos, pois os que eles apontam são facilmente refutáveis. E à medida que o tempo passa, as pessoas vão ganhando consciência do que se passa...

Curioso será ver a reacção de anti-regionalistas como o sr. templario, que aqui acusaram aos quatro ventos que a regionalização punha em causa a unidade nacional.
Gostava de saber a reacção às opiniões de muitos anti-regionalistas, seus partidários na defesa do "não", que dizem, neste blogue e em outros locais, com todas as letras, "entregue-se Valença e o que resta", "Valença não serve para nada", "o interior só dá despesa, feche-se e entregue-se aos espanhóis" e coisas similares.

Sendo esta a mentalidade reinante no seio dos defensores da actual situação centralista, fica cada vez mais patente que a maior ameaça à unidade nacional é o centralismo, e a única maneira de o combater é a regionalização.

Ou continuarão a achar que os milhares de Portugueses, de Valença e do resto da Raia e de vários pontos do país, que são todos os dias tratados como cidadãos de segunda, vão eternamente continuar a aceder aos caprichos do "interesse nacional", que lhes tira serviços básicos e investe o seu dinheiro na capital e arredores?

Não se iludam...
hfrsantos disse…
Serviço Nacional de Saude deve ser gerido de forma Regional.
Deveria caber ao Governo Regional do Norte gerir e organizar o Serviço de Saude no Norte.

Em Lisboa, olham para o mapa do Pais, olham para o dinheiro que nao teem e começam a efetuar cortes sem conhecer a realidade de cada Regiao.

Se Lisboa distribuisse o dinheiro dos impostos dos portugueses pelas Regioes e o Governo Regional do Norte tivesse acesso a esse dinheiro, certamente o aplicaria de forma diferente e administraria diferentemente os recurssos economicos destinados a Saude.

Enquanto quiserem administrar Portugal desde a cidade imperio de Lisboa, existiram muitos administradores a ganahr milhoes de euros e que dirao que a culpa nao é deles, que é Lisboa que lhes obriga a gerir assim e a fechar os serviços de Saude.

A Centralizaçao da Administraçao em Lisboa é mais uma forma de desresponsabilizar os incompetentes. é Lisboa que manda e os incompetentes nao podem fazer nada.

Regionalizaçao é a soluçao.
Que cada Regiao seja RESPONSAVEL por administrar os recursos escassos e administrar a Saude, Educaçao e mesmo os impostos na sua Regiao. O ideal seria que Regioes mais eficientes pudessem mesmo baixar os seus impostos para atrair investimento e fixar emprego e a populaçao. Porque temos que ter todos o IVA a 20% quando uns gastam muito mais que os outros?

Se as Regioes mais eficientes pudessem baixar os seus impostos, as regioes vizinhas sentiriam um estimulo para serem tao ou mais eficientes que as outras.

O que precisamos sao estimulos para ser melhores e que quem gere o Pais seja RESPONSAVEL E RESPONSABILIZADO. Para isso é preciso conhecer a cara de quem GERE a nossa Regiao, é preciso VOTAR em quem nos da confiança que vai GERIR a NOSSA REGIAO.

REGIONALIZAçAO é FUNDAMENTAL!!!