Até tu Bruxelas?

|Mário Russo|

Os Quadros Comunitários de Apoio da União Europeia servem para desenvolver as regiões menos desenvolvidas de modo a corrigir assimetrias e potenciar o desenvolvimento harmonioso de toda a Europa.

De facto, se todas as regiões europeias estiverem desenvolvidas, concorrem economicamente para uma pujante economia, criam mais emprego e fomentam a coesão social. O QREN português também teria esta função, pois Lisboa não teria direito a estes fundos por estar acima da média europeia, permitindo que os fundos fossem aplicados directamente nas regiões deprimidas.

No entanto, o governo português conseguiu desviar mais de 140 milhões de euros para Lisboa. Rui Rio, presidente da Área Metropolitana do Porto interpôs uma queixa junto da Comissão europeia, com justa razão.

A resposta de Bruxelas é surpreendente e tem preparada uma carta de resposta à tal queixa de Rui Rio, onde explica que o desvio de fundos da região Norte para Lisboa é feita ao abrigo de uma excepção específica do QREN português, chamada “efeito de difusão”, ou seja, pode ser aplicado a Lisboa porque esse investimento é para todo o país.

Como todos sabemos, todos os países da Europa, uns mais outros menos, têm regiões mais e outras menos desenvolvidas e usam estes fundos de forma séria e transparente para corrigir o todo nacional. O único país que negociou uma excepção “efeito difusão”, foi Portugal, num claro conluio com os funcionários de Bruxelas.

Um verdadeiro “Chico-espertismo” saloio à portuguesa que deveria envergonhar os seus autores e indignar os portugueses, inclusive os de Lisboa.

Não está em causa que há investimentos em Lisboa cujo alcance é nacional, mas não é este tipo de fundo que surripiado à socapa que serve para tal desiderato. Há impostos nacionais pagos em Lisboa que só beneficiam Lisboa (empresas com as do sr. Mexia Bem, telefónicas, Galps, etc. arrecadam em todo o pais e pagam impostos na capital), não havendo efeito de difusão, que já é mais que suficiente para compensar os investimentos feitos em Lisboa com alcance nacional.

Esta pouca vergonha só acontece porque Portugal não tem REGIONALIZAÇÃO, é centralizado no seu umbigo e que tem feito um crescimento assimétrico, inchando Lisboa, uma ilha de prosperidade rodeado de pobreza. De facto, Portugal é o 2º país mais centralizado dos 30 países da OCDE e um dos menos desenvolvidos. A ausência de um governo eleito ao nível regional que possa reflectir, da base para o topo, os anseios da população é o responsável pelo crónico atraso das regiões dependentes das decisões longínquas da capital.

Com que justificação se rouba fundos legítimos para corrigir o atraso de uma região mais que depauperada a cada ano que passa?

Analisando apenas alguns dados reais, começando pelo PIB, a Região Norte tem 10.374€ (57% da média da UE a 25); Lisboa apresenta 19.103€ (104.3% da UE) o Centro com 11.088€ é menos pobre que o Norte, revelando bem a assimetria gritante e inquietante.

Despesas com I&D em % do PIB: Norte com 0.6% e Lisboa com 1%, ou seja, aplica-se em investigação e desenvolvimento no Norte 60% do que é aplicado em Lisboa. Portugal (como país) aplica 0.7% do seu PIB em I&D. Espanha aplica 1.1%, cabendo à Galiza 0.9%, que é 50% maior que o aplicado no Norte de Portugal. França aplica 2.2% do PIB. Como é que podemos ficar admirados com o atraso cada vez mais profundo da Região Norte?

O número de alunos no ensino superior no Norte é de 33/1000 habitantes, enquanto em Lisboa é de 60/1000 hab. Os activos em I&D por 1000 activos no Norte são de 1,5 e em Lisboa de 3,3, ou seja, mais de 100% acima.

O desenvolvimento de um país ou de uma região é ditado precisamente pelas opções políticas tomadas em termos de educação, investigação, saúde, ambiente, urbanismo, infra-estruturas, etc. Nenhuma opção é melhor que aquela que é tomada pelos destinatários, e não aquela que tomam por nós.

O Norte de Portugal é a 27ª região mais populosa da Europa e maior que 7 dos 27 Estados Membros, que desfaz a ideia de que somos pequenos.

O que é facto é que o Norte é uma das regiões mais pobres da Europa, mas não é suficiente para que os “chicos-espertos” possam arranjar cláusulas de excepção que nem Al Capone teria coragem de fazer para roubar o que lhe é de direito.

Até Bruxelas alinha nesta verdadeira roubalheira, candidamente explicada por comissários políticos do governo Chico-esperto que temos.

O que é preciso mostrar mais para que as pessoas não se indignem com tamanha assimetria e desprezo e clamem pela Regionalização, a mãe das reformas políticas portuguesas que continua na gaveta dos interesses mesquinhos?

|Clube dos Pensadores|

Comentários

douro disse…
Excelente post. E bem oportuno, pois serve para demonstrar que o escândalo do desvio de fundos do norte a favor do vale do Tejo tem cúmplices em certos iluminados de Bruxelas, que quando descem a Portugal juram o seu amor à coesão e batem com as mãos no peito pela solidariedade. Não o esqueceremos quando vierem de volta pedir o nosso voto.
douro disse…
... e contudo em Bruxelas há quem lute pelo Norte http://simregioes.blogspot.com/