Douro - Património da Humanidade

Dez anos de galardão


Li já não sei bem aonde, que a Liga de Amigos do Douro Património Mundial, se prepara para assinalar o décimo aniversário da declaração pela Unesco do Douro como Património da Humanidade, e desde logo achei muito bem. Dez anos sempre são dez anos, e com a propensão que temos para não deixar passar em branco as datas redondas, como se costuma dizer, tudo justifica pois mais umas cerimónias, uns petiscos, e uns palavreados do costume onde não se enjeita a solenidade.

Nada pois a opor. Mais não seja, dará isso direito a um rodapé nos telejornais, que é o que merecemos na óptica daqueles que mandam nas grelhas e nos alinhamentos noticiosos. Gostam todos muito de nós, nasce-lhes poesia na alma quando apreciam as nossas paisagens e degustam os nossos sabores líquidos ou sólidos, mas somos poucos e sem importância que se note, ainda que a toda a hora nos digam o contrário.

Apesar de tudo no entanto, uma década é uma década. Faça-se então a festa, mas já agora, e porque é igualmente próprio, faça-se também uma reflexão. Olhe-se para os anos que se passaram, e faça-se um balanço, enquanto se perspectivam os que hão-de nascer e passar connosco cá se Deus quiser, concluindo-se depois o que se deve fazer para que eles sejam melhores. Julgo que para que superem os idos, muito não será necessário.

Antes de mais, com toda a humildade o digo, arranje-se maneira de uma vez por todas as pessoas de cá, os indígenas, começarem a interiorizar essa coisa de se viver num local que é referenciado como muito importante para todos os homens e para todas as mulheres de toda a parte. Não vale a pena referirem-nos isso com toda a pompa, se não começarem por nos fazer germinar o orgulho de dependurarmos teimosamente o pote nestas bandas numa vida que mais parece perdida e sem luz ao fundo do túnel.

Estou quase pronto a afirmar que para a maioria dos durienses, o galardão da Unesco, mais não merece que um encolher de ombros. Faltou a parte didáctica do assunto, mas essencialmente faltaram as contrapartidas, faltou o valor acrescentado com que se pagam as contas na mercearia.

Mas para agravar a noção ou a falta dela, infelizmente não faltaram os obstáculos e até os prejuízos directos. Assim num repente, os que intervêm na paisagem porque têm de fazer o granjeio, a tal actividade que mantém a paisagem evolutiva e viva, olham com desdém para o título. Afianço eu.

Sentem que isso é bom é para os doutores e engenheiros que estão acomodados em gabinetes. A sério que sentem. Ouvem falar-lhes em património edificado ou imaterial, mas pouco lhes apoquenta. O que querem é as suas vidas com menos burocracias e estão cheios de razão. Falam-lhes de aldeias assim e assado, algumas delas mais parecendo bombardeadas pela aviação inimiga de tantas serem as seculares casas em ruínas, mas isso é-lhes indiferente.

Nesse contexto, querem somente é fugir das más memórias que esses vestígios lhes acedem. O passado foi de pouco pão e muitos calos na mão. A esponja apagadora surge então sob a forma de uma casa nova edificada à custa de vidas que se empenham até ao tutano, mas que se têm como compensadas pelo suposto reconhecimento alheio, tantas vezes embrulhado em invejas reais ou imaginadas.

Celebrem-se pois os dez anos do reconhecimento. Mas atente-se e aja-se para que essas celebrações sejam o princípio do fim de uma época que mais parece de colonialismo, de forma a que surjam novos amanhãs que poderão não ser os que cantam, mas poderão ser os do nosso contentamento.

| Diário de Trás-os-Montes|

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