Constituição e as Regiões Administrativas (2)

A grande maioria da população portuguesa nunca leu a Constituição da República Portuguesa (CRP), nem tem muita facilidade em perceber o verdadeiro alcance político do que lá está escrito. Se esta afirmação ousada não correspondesse à realidade certamente que não haveria tantos equívocos quando se fala, por exemplo, de Regionalização.

Se o contrário fosse a verdade, seguramente que não seria tão fácil induzir as populações a desenvolver ideias erradas e negativas sobre alguns assuntos de interesse nacional. Ou seja, haveria menos espaço para a demagogia.

Apesar de no próximo ano se celebrar o 35º aniversário da Constituição Democrática, a verdade é que ainda não é um hábito muito frequente o discurso dos nossos políticos fazer mais vezes referência ao texto constitucional para explicar aspectos fundamentais da vida nacional.

Quem se recorda, por exemplo, que alguém tenha dito que, apesar de ser sobejamente reconhecida a fraca importância e operacionalidade dos Governos Civis, não poderem os mesmos ser extintos de qualquer forma, pois a Constituição não o permite?

O artigo 291º explica claramente a situação: enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido. No seguimento deste preceito a CRP determina ainda que os distritos devem ter uma assembleia composta pelos representantes dos municípios e um representante do Governo, que é o Governador Civil. Sendo assim, como é que se podem extinguir os Governos Civis sem instituir as Regiões Administrativas?!
34 anos de Poder Local incompleto...
Estas breves notas destinam-se a alertar para a necessidade de se analisar com mais atenção o que diz o texto constitucional sobre as Regiões Administrativas, começando, desde logo, por se referir que, na prática, o que se tem feito ao longo das últimas três décadas e meia é não cumprir a Constituição, cujas sete revisões mantiveram sempre o essencial da Regionalização como uma das partes que constitui a organização do poder político da Nação.

Será por acaso que nunca se tirou da Constituição o capítulo relativo às Regiões Administrativas? Não temos dúvidas de que alguns o pretenderam; talvez até nem fosse tão difícil como parece encontrar os dois terços necessários para fazer vingar essa intenção. Mas aqueles que sempre foram contra a Regionalização devem ter medido atentamente as consequências políticas que adviriam de tal medida.
A CRP (aprovada em 1976 e revista sete vezes, em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005) divide-se em Preâmbulo, Princípios Fundamentais e Partes (quatro Partes, por sua vez subdivididas em Títulos e estes em Capítulos, onde se inserem os 296 artigos).

Logo nos artigos dos Princípios Fundamentais encontramos fundamentação para afirmar que a Constituição não tem sido cumprida. O artigo 6.º, ponto 1, refere que “O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.” O sublinhado é nosso, para frisar com mais evidência o que se afirma. Onde estão todas as autarquias locais e onde está a descentralização democrática?

De acordo com a Constituição, o Estado tem tarefas fundamentais que deve cumprir, uma das quais é “Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional (…)” (artigo 9º, alínea g)). Supomos que todos concordarão que estamos cada vez mais longe dessa realidade.

Ora, no essencial, o que se pretende com a instituição, em concreto, das Regiões Administrativas, não será exactamente promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, garantindo assim o cumprimento daquela tarefa fundamental do Estado Democrático? É que, sem este desenvolvimento harmonioso não se garante a “igualdade real entre os portugueses”, outra das tarefas fundamentais do Estado definida no mesmo artigo 9º, alínea d).

Pois bem, se o Estado não cumpre as suas tarefas fundamentais definidas na CRP, levanta-se uma questão muito pertinente: será que possuímos um Estado Democrático, de facto, ou apenas de direito?

Perante estes elementos parece evidente que este novo ciclo de debate em torno da Regionalização que parece despontar com alguma força a nível nacional, pese embora a “resistência” de muitos elementos das direcções partidárias dos dois maiores partidos políticos do País, seguramente também os mais responsáveis pelo não comprimento constitucional atrás apontado, este novo ciclo, dizíamos, não poderá cair no mesmo erro dos anteriores: transformar o debate num diálogo de “especialistas”, deixando de fora a maioria da população que, no final, é quem decidirá. E decidirá tanto melhor quanto maior for o seu esclarecimento.
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Comentários

templario disse…
No Artigo 10% da CRP,

NR. 2. - "Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política".

É isso que têm feito os partidos políticos nos últimos 20 anos?

Observemos à nossa volta e veremos que os partidos políticos estão controlados por gente ruim, politicamente.

É verdade que existem assimetrias flagrantes em muitos aspetos na nossa sociedade, a primeira das quais é entre grande parte da "classe" política que tomou de assalto o sistema partidário, se serve dele para os seus interesses e despreza as populações, e o país e a democracia. Alienou a política aos cidadãos portugueses.

Sem regenerarmos o nosso sistema partidário tudo correrá cada vez pior.

É aqui que é preciso travar as grandes batalhas para regenerar a vida política portuguesa.

Os nossos partidos são "lojas" rodeadas de secretismo, fechadas às populações, e muita gente tem medo de entrar nelas. Ali não se discute política, antes formas de "arrumar" com quem não entrar nos esquemas de uns tantos.

É ali que estão os vários fermentos que levedam a nossa desgraça e muitos regionalistas sabem disto, mas não têm coragem de o denunciar, com receio de serem apeados da máquina monstruosa e reacionária onde foram encavados em momento oportuno.

A vida partidária é discutida nos corredores e gabinetes do Estado e da Adm. Pública em geral, onde imperam uns tipos que têm o pelouro, por exemplo, das autarquias, e são detentores de cargos públicos, deixando ao verdadeiro responsável político da organização partidária, o papel de garantir as formalidades do dia a dia, nomeadamente, em períodos eleitorais, a nomeação dos candidatos a isto e aquilo, decidido fora das estruturas partidárias, em assembleias de reduzida participação.

É o que se passa no norte, no sul e no centro.

E querem os senhores criar partidos regionais, sabendo nós que os seus mentores por lá andam há anos, carregam consigo estes desvios, estes defeitos de uma estrutura vital da democracia?

A luta não é fácil, mas é preciso que os mais jovens se reunam em grupos e decidam aderir aos partidos com que se identificam, recusando cumprir uma das formalidades, que é a de estarem condicionados a um ou dois proponentes.

Assim cumprirão uma das disposições constitucionais da República Portuguesa, para garantir que os representantes eleitos estejam ao serviço do país e do povo.

Partidos regionalistas são perigosos para a unidade do país, estão vazios de ideologias e programas e são o terreno favorável à acção de caciques e demagogos.
Caro Templario,

Que os nossos partidos políticos (os principais), a exemplo do país, são fortemente centralistas, estamos de acordo. Agora, já não o acompanho na sua 'liturgia' radical anti-partidos, até porque os partidos são a base dos regimes democráticos.

Claro que os partidos também manifestam alguns problemas no seu funcionamento, mas, neste plano, o nosso maior problema, radica na precaridade da nossa sociedade civil.

Cumprimentos,