O poder central, Paços de Ferreira, Lousada e Felgueiras: história de uma traição


Esta é a estrada da Serra da Agrela (EN207), a "alternativa" de Paços de Ferreira (e Lousada e Felgueiras) para o Porto.

Sugestivo, não?
Quando olha para este mapa, perde a vontade de usar esta estrada? Então experimente percorrê-la no terreno, e imagine-se a fazê-la todos os dias, mais que uma vez...

Saiba então que esta estrada, a antiga EN207, agora ER207, e em alguns troços mesmo EM207 (fruto da imensa imaginação criativa patente na nomenclatura da nossa "rede" de estradas...), foi durante décadas a fio, mais precisamente até 2004, o melhor acesso de Paços de Ferreira ao Porto.

Falamos de uma terra, de um concelho como Paços de Ferreira, da região de Entre-Douro e Minho, que totaliza hoje quase 60 mil habitantes (sendo uma referência nacional e internacional num sector económico como o do mobiliário) e que nunca teve direito nem a 1 km de ferrovia. Para além de conduzir na estrada que se vê na figura, ou em mais um par delas iguais ou piores, um pacense que quisesse (ou tivesse!) que deslocar-se ao Porto (o que é quotidianamente necessário, pois o Porto é a capital de distrito, o centro de serviços de referência da zona...), só podia (pode) optar por tomar autocarros em condições deploráveis, que demoravam (demoram) ainda mais tempo, avariavam frequentemente, e, como se não bastasse, entupiam completamente a estrada da figura...

Lousada e Felgueiras, outros dois concelhos em situação semelhante. A única vantagem destes foi a abertura da A4, que serviu de "válvula de escape" para lousadenses e felgueirenses que, face a estrada tão má, durante mais de uma década deram voltas de dezenas de quilómetros para tomar a A4 e evitar as estradas de Paços de Ferreira.

Serra da Agrela, cruzamento da Agrela, semáforos de Alfena, Travagem, Ermesinde, Areosa. Tudo nomes conhecidos para praticamente todos os habitantes destes concelhos, pelo trânsito caótico, pelas curvas e contracurvas, pelas viagens de durações quase épicas que estes caminhos proporcionavam. Quem, nesta zona, não se lembra de demorar dezenas de minutos a percorrer lentamente os 3 kms do troço da serra da Agrela, atrás de camiões de móveis e outros produtos, autocarros, e uma fila interminável de automóveis?

Curioso? Aqui vai a história desta verdadeira novela chamada A42/IC25. Essa mesma estrada que alguns teóricos agora fazem questão de dizer que é "um luxo" e que portajá-la é uma "questão de justiça".

Avalie então o prezado leitor:

Durante décadas, Paços, Lousada e Felgueiras andaram a pedir um acesso em condições ao Porto. Fosse o que fosse, mas que substituísse a malfadada Serra da Agrela. Cerca de 1 hora para se fazer 25 kms para aceder a serviços básicos no Porto não era aceitável...

Primeiro, o que as populações pediram foi a transformação desta estrada da Serra (N207) em 2x1, com corte de curvas. Foi dito que iria para a frente, isto nos anos 80. Ficou na gaveta.

Depois vieram com o PRN, e nos anos 90 disseram às pessoas "A Serra já não serve. É preciso uma estrada nova. Vamos fazer uma via rápida, o IC25". E as pessoas lá acederam esperar mais uns anos pelo IC25.

No início do século XXI, a pouca-vergonha terceiromundista que é a estrada da Serra continuava. E as pessoas, e os autarcas continuavam: "queremos um acesso em condições. Para quando a segunda via na serra, ou o IC25?"

Resposta: em 1998, para calar as pessoas, construiram cerca de 10 kms de IC25, mas precisamente onde era menos preciso: Paços de Ferreira-Covas (Lousada).

Perante os protestos, passado uns anos dizem "agora em Portugal não se fazem vias rápidas. O IC25 passa a auto-estrada: a A42".

E eu pensei "mas não é preciso uma AE para Paços". Mas eles garantiram "a auto-estrada IC25/A42 não será paga".

E, com tanta garantia, ninguém reclamou. A A42 abriu, Paços de Ferreira evoluiu logo, triplicou o seu volume de negócios em 5 anos. Como teria sido tudo se não se tivesse esperado quase 30 anos por um acesso em condições...

E agora querem cortar isto tudo pela raiz portajando a auto-estrada, com uma arrogância do tipo "têm AE, há que pagar", como se Paços, e os vizinhos, não tivessem ficado satisfeitos com o IC25, a via rápida, e a A42 tivesse sido um luxo construído por pressão dos pacenses...

Enfim, moral da história: recusem presentes envenenados. E em Portugal, isso tem um nome: auto-estradas.


Afonso Miguel

Comentários

MIGUEL disse…
concordo plenamente ;) faço de todas as tuas palavras as minhas também ;)
Fronteiras disse…
Resulta tão óbvio que não é preciso fazer mais comentários!
Muito obrigado pelos comentários anteriores!