Contastes regionais em Portugal e Espanha: antecedentes

Os contrastes entre várias zonas do nosso país, que fazem de Portugal um país de regiões bem distintas, não são de agora. Em paralelo com aquilo que aconteceu em toda a Península Ibérica, as diferenças entre as regiões portuguesas evidenciaram-se sobretudo na época da Reconquista Cristã, período no qual os movimentos militares e populacionais ocorridos alteraram para sempre a configuração da Península Ibérica, contrastes estes que persistem até aos dias de hoje, uma vez que as diferenças demográficas foram o ponto de partida para muitas outras diferenças (económicas, sociais, etc.) que marcam as regiões Portuguesas.

Assim, recuemos até à época da expansão dos Mouros na Península Ibérica, que levou os Cristãos a refugiar-se nas Astúrias, onde os Mouros não conseguiram chegar.

À medida que os Mouros se foram expandindo, a população cristã foi fugindo em direcção a esses territórios, que acolheram grande parte da população cristã, que lá se refugiou. No máximo da expansão Moura, os territórios do norte peninsular (nomeadamente primeiro as Astúrias- o grande foco de resistência cristã-, e depois Entre-Douro e Minho, Trás-os-Montes, Galiza, País Basco e Cantábria) receberam incontáveis quantidades de refugiados.
Logo, as densidades populacionais desses territórios aumentaram exponencialmente.

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De referir que, nessa altura, apesar de os territórios Mouros serem menos povoados que os Cristãos em termos relativos, Córdova já era considerada a maior cidade do Mundo, reflexo de um povoamento concentrado que, a partir daí, sempre marcou a história de grande parte de Espanha, e ainda das regiões Portuguesas a sul do Tejo... Ou seja, a densidade populacional de Castilla, Andalucía, Alentejo e Algarve, por exemplo, já era menor que a da Galiza, Entre-Douro e Minho ou Beira Litoral.

À medida que a reconquista foi avançando,



foi-se dando o repovoamento das regiões conquistadas. Assim, a população cristã foi gradualmente voltando a repovoar a Península.

Porém, o repovoamento não foi totalmente eficaz, e daí nasceu a desigualdade de povoamento que hoje vemos na Península Ibérica. Isto porquê?
Principalmente por dois motivos:
1- A Reconquista foi sendo cada vez mais rápida, e o repovoamento não acompanhou essa rapidez crescente (demasiado espaço para pouca gente);

2- A população fixou-se nos locais onde os solos eram mais produtivos, ou seja, foi ficando por Portugal a norte do Tejo (principalmente o Litoral), Galiza, Astúrias e Cantábria.

Daí nasceram os contrastes populacionais que actualmente se verificam na Península Ibérica, como dá conta o seguinte texto:

«A população muçulmana vivia maioritariamente em cidades, mais que a cristã, mas esta última tornou-se urbana ao conquistar os territórios muçulmanos a sul do Tejo. Muitas vezes, o repovoamento de estas zonas teve de ser feito após a expulsão da população autóctone. Estes repovoamentos eram dirigidos pelas ordens militares e pela Igreja. Em geral, havia demasiado espaço para repovoar, pelo que surgem a grande propriedade e a agricultura extensiva. Algumas povoações, criadas para colonizar certas zonas, fracassaram, por serem terras pobes; outras foram abandonadas, principalmente após a conquista de Toledo em 1085.»

traduzido de: Geografía Esencial
Enquanto a sul acontecia isto, a norte e nas terras mais produtivas , a situação era bem diferente: nas terras que quase sempre tinham sido Cristãs(*1), a situação não se alterou, e o povoamento continuou a ser disperso; nas terras mais produtivas que foram sendo conquistadas (*3) (Portugal a norte do Tejo, principalmente o Litoral), foram-se acumulando os colonos, que as preferiam às terras pobres da Meseta Castelhana e do sul de Portugal (*2).

Daí, surge o actual panorama de povoamento, quer de Portugal, quer de Castela:

*1: Povoamento disperso e predomínio do minifúndio (pequenas propriedades) em Entre-Douro e Minho, Galiza, Astúrias, Cantabria e País Basco;

*2: Povoamento concentrado e predomínio do latifúndio (grandes propriedades) no Alentejo, Algarve, Beira Interior e Trás-os-Montes (embora nestas duas últimas existam maiores densidades populacionais, que se têm vindo a reduzir drasticamente nas últimas décadas, e a propriedade seja usualmente mais pequena), Extremadura espanhola, Castilla, La Rioja, Aragón, Andalucía...

*3: Povoamento misto na Beira Litoral, Estremadura e Ribatejo, Catalunha, Valência...

Este paradigma praticamente não se alterou até aos tempos modernos, praticamente até às grandes migrações do século XX.

Para além das grandes vagas de emigração, houve enormíssimas vagas de migrações internas, que ainda se mantêm em muitos casos até hoje (o que é inédito na Europa Ocidental...).

Verificou-se assim o despovoamento das regiões do interior: Trás-os-Montes, Beira Interior e Alentejo.

E a que é que se deveu este despovoamento? À falta de condições de sustento, baixas produtividades agrícolas e, acima de tudo, falta de apoios sociais, de tecido económico relevante e de serviços de saúde e educação, que existiam em grande quantidade nas áreas atractivas- Litoral, principalmente Porto e, acima de tudo, Lisboa.

Daqui se conclui que o processo gerador de diferenciação regional em Portugal tem a mesma origem que o processo homólogo em Espanha, e que culminou hoje em dia na existência de elevados graus de autonomia para as diferentes regiões.

A maior diferença entre os referidos processos, é que em Espanha, no pós-Reconquista, se formaram diferentes Reinos, com identidades próprias, que levaram a que, modernamente, a Espanha seja uma «nação de nações», onde os grandes contrastes geográficos originados pela Reconquista são acompanhados por vincados contrastes culturais cimentados na Idade Média, o que fez com que a Espanha moderna tenha tido necessidade de apostar numa autonomização.
Já em Portugal, a manutenção de um único País, com fronteiras relativamente fixas há muitos séculos fez com que os contrastes regionais se fizessem acompanhar por diferenças culturais bem mais ténues.

Porém, os contrastes a estes dois níveis existem e não são, nunca, desprezáveis, tendo inclusive vindo a reforçar-se devido a uma peculiar gestão centralizada do território nacional, que faz com que Portugal seja hoje um dos países com mais contrastes internos na UE, e um dos poucos países desenvolvidos onde as migrações internas continuam a aumentar o problema de desertificação dos territórios do Interior.

Daí a legitimidade, e a enorme necessidade, de implementar em Portugal um modelo de Regiões Administrativas, tendo em conta os diversos factores que nos tornam um país de contrastes.


Afonso Miguel

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