Modelos de regionalização

Depois de passar alguns anos na penumbra, a problemática da regionalização tem vindo a ser aflorada nos últimos tempos em diversos meios. E não o terá sido mais porventura em razão da crise financeira e económica que se instalou nos dois últimos anos. É sabido tratar-se de um tema complexo, pese embora todos parecerem sentir-se à-vontade para dissertar sobre ele.

Pode-se pegar no tema de diversos modos, mas há duas dimensões que são centrais:

i) a da devolução do poder aos cidadãos, quer dizer, a do aprofundamento da democracia, trazendo o exercício do poder para mais próximo dos cidadãos e propiciando uma mais directa relação entre eleitores e eleitos do que aquela que resulta das representações políticas de âmbito nacional; e

ii) a do desenvolvimento, na medida em que se perceba os territórios e os seus agentes como a sede primeira e central de recursos, capacidades e iniciativas que ditarão a afirmação económica de lugares e regiões ou a sua negação. Conforme se deduzirá, estas não são problemáticas disjuntas, na própria medida em que dificilmente há iniciativa e, sobretudo, projecto económico e social, sem liderança e sem algum nível de institucionalização. A eficácia das lideranças é que é diferenciável, como são diferenciáveis as opções em matéria de organização político-administrativa do território que podem ser postas em prática.

Mesmo que se admita não ser seguro que a regionalização (na sua operacionalização objectiva) dará resposta aos problemas sobre que importa actuar, a verdade é que, no caso português, parece ser muito questionável que alguém (aparte a minoria instalada nas sedes partidárias nacionais) considere aceitável a situação existente em termos de (in)equidade de desenvolvimento social e regional.

Nesse enquadramento, o contexto de crise económica e de desequilíbrio das contas públicas pode até servir para tornar mais patente a necessidade de uma efectiva reforma do Estado, de que a regionalização, muito mais que todos os discursos e leis ditas enfeudadas a projectos de reforma estrutural, poderá ser expressão substantiva.

Na discussão havida em Portugal, ocorre amiúde discutir-se o modelo base, aparecendo isso como se houvesse solução única ou alternativas muito escassas. Nessa discussão, esquece-se a variedade, em termos de capacitação político-administrativa e de dimensão territorial, que existe aqui ao lado, na Europa.

Dito de outro modo, sendo certo que não existirá um modelo que encaixe, automaticamente, no caso português, em razão das suas condicionantes histórias, culturais e geográficas, não será, por outra parte, difícil encontrar soluções noutros lugares que se aproximem das da realidade nacional e possam, daí, ser fonte inspiradora do modelo a adoptar.

Por outro lado, invoca-se comummente a tradição de poder local existente em Portugal, esquecendo-se que a dita tradição remonta a 1976, isto é, à “revolução dos cravos”, já que só a partir dessa data tivemos um poder local eleito, que se fez “forte” na medida dos resultados em matéria de criação de infra-estruturas e equipamentos (de desenvolvimento local) que produziu e que, naturalmente, gerou reconhecimento nas populações beneficiadas.

Essa foi a melhor forma de criar e robustecer a tradição local, tal como poderá suceder com o poder regional a constituir. Assim aconteceu igualmente com os poderes regionais que foram instalados nas ilhas, pese embora os intérpretes que têm tido.

Diz-se, também, que Portugal é demasiado pequeno para ser organizado em regiões, como se se tratasse de coisa inquestionável. Que não é assim dizem-no os casos da Suíça e da Áustria, que são países bem mais pequenos do que o nosso e, que, mais do que serem estados regionalizados, estão organizados como estados federais.

Mesmo nos países com maior dimensão territorial que Portugal, coexistem regiões maiores com outras que não apresentam diferença relevante face às 5 entidades geográficas do Continente configuradas pelos espaços de intervenção das CCDRs (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve).

Em Espanha, por exemplo, onde a dimensão média das regiões é de cerca de 2,2 milhões de habitantes, existem outras que não ultrapassam os 250 mil.

Por outro lado, no caso da Dinamarca, a população das 14 regiões varia entre 200 e 600 mil habitantes e, no caso da Itália, a média da população das regiões é de 2,8 milhões de habitantes, tendo a região menos populosa 115 mil. Até na Alemanha existem regiões que abrangem uma população de 1,5 milhões de habitantes.

Do que se anota, resulta evidente a existência de uma grande diversidade de situações em matéria de institucionalização regional na Europa.

Não obstante, o que entra pelos olhos e é denominador comum é que “os países europeus mais desenvolvidos são aqueles que possuem administração regional intermédia descentralizada” (Selénio Portugal).

Acresce que não é por se implementar um processo de descentralização administrativa que o Estado terá que deixar de ser unitário. Demonstração disso são os países nórdicos e a França.

|J. Cadima Ribeiro|
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Comentários

templario disse…
O Professor Cadima Ribeiro, que me desculpe lá do alto da sua Catedral de ideias, navega surpreendentemente numa enorme confusão nestas coisas de regionalização, melhor dito, na técnica de dividir em talhões este nosso Portugal. Deve arrepiar caminho e lembrar-se que já não estamos no tempo em que os silogismos tinham que bater certo, que o tempo em que os professores falavam e os alunos ouviam e escreviam também já se foi (era o método da Sabenta: os Conimbricenses, à sua maneira, acabaram com ele com os 8 Compêndios, porque não havia livros para todos - séc. XVI).

É mentira crassa que o poder local não existisse antes de Abril 74 e havia métodos eleitorais para eleger os membros dos municípios, os possíveis e até já muito avançados nessas alturas e estamos a falar de séculos atrás.

Além disso é uma monstruosidade intelectual comparar a Áustria e a Suiça com Portugal, em tudo o que se possa relacionar com qualquer tipo de reforma administrativa do nosso território, bem como o exemplo da França, realidades incomparáveis.

A sua argumentação é a-histórica. É enganosa. Falta à verdade, não só histórica, mas também cultural, social, linguística e política.

De um Professor Catedrático exige-se mais rigor científico e respeito pela verdade.
Caro Templario,

Não pretendendo ser advogado de defesa do Prof. Cadima que, diga-se, nestas matérias, não precisa, mas, considero este seu comentário para além de, excessivamente, arrogante também pouco rigoroso.

Nesse sentido, cabe aqui transcrever parte do texto sobre a Administração Local, do 3º. Congresso da Oposição Democrática de Aveiro em 1973, que revela o profundo desajustamento jurídico em que se encontrava o Poder Local numa Europa em profunda transformação e a coragem pública daqueles que, nessa época, ousavam afrontar o regime.

«…O carácter não representativo dos órgãos de administração local, ainda é agravado pela limitação do sufrágio aos chefes de família, na eleição das Juntas de Freguesia; pelas pressões, combinações e falseamento a que se presta o modo de designação dos Conselhos Municipais e dado o falseamento da “eleição” dos vereadores no plano concelhio e, sobretudo, pelo facto completamente indefensável no terreno dos princípios e totalmente inadmissível face, às comezinhas realidades, de ser o presidente da Câmara um simples mandatário do Governo, em vez de representante eleito dos munícipes, no concelho».

Cumprimentos,
ravara disse…
Não existem modelos ideais, mas este ainda do Estado Novo, está morto e deve ser enterrado, porque nele radicam as causas profundas da desertificação do nosso território e não só para o litoral, como para o estrageiro. É isto que deve ser discutido, mais com a razão do que com o coração.

Ninguém fala de um território imenso que é a plataforma continental de 200 milhas marítimas, são 370 quilómetros, mar adentro do Minho ao Algarve. É tabú? É, porque nada deve ser feito que possa por em risco as importações de bens alimentares ou quaisquer outros; é muito importante comprar ao estrangeiro, basta ver como enriquecem os donos dos Hipermercados. Para eles o todo, é maior que a soma das partes.