Grécia: mais vale tarde do que nunca!

A Grécia está prestes a implementar a Regionalização.

Esta notícia talvez surpreenda muitos portugueses que há décadas ouvem quotidianamente a velha lengalenga dos anti-regionalistas que, quais velhos do Restelo, propalam aos sete ventos que a Regionalização é sinónimo de despesismo, "tachismo" e provocaria uma crise.

Mas não. A Grécia, um dos 3 últimos países não regionalizados da União Europeia a 15 (os outros são Portugal e a Irlanda, ou seja, todos eles países da «cauda da Europa», coisa que os anti-regionalistas nem comentam...), e considerado, a par de Portugal, um dos países mais centralizados da Europa, vai implementar a Regionalização. Isto enquanto vive a pior crise da sua história recente. E, segundo os gregos, precisamente para combater essa crise. Tudo isto quando está fortemente pressionada e vigiada pela UE e pelo FMI, e sem que estes se mostrem contra- antes pelo contrário!

Até os gregos já chegaram à conclusão que a Regionalização é dos melhores instrumentos de combate à crise. Foi precisa uma grande crise para o admitirem, mas mais vale tarde que nunca!

Vamos, então, perceber melhor o modelo de Regionalização da Grécia:

A Regionalização é o pilar fundamental do Plano Kallikratis, cujo objectivo é acabar de vez com o caos administrativo no qual a Grécia, à semelhança de Portugal, vive cronicamente. Até agora, a Grécia estava dividida em 3 tipos de unidades administrativas: periferias, prefeituras e municípios.

As periferias eram 13, e equivaliam às nossas Províncias tradicionais: não tinham órgãos eleitos, praticamente não tinham poder a não ser o equivalente às nossas CCDR's, mas eram as divisões mais tradicionais.

As 54 prefeituras eram órgãos intermunicipais, o equivalente às nossas Comunidades Intermunicipais NUT-III. Essas sim, já tinham órgãos eleitos, embora as suas competências fossem mais alargadas que as das nossas Associações de Municípios, uma vez que as prefeituras gregas tinham competências intermédias entre as dos nossos distritos e municípios.

Nos municípios residia um dos grandes problemas: a existência de 1033 municípios num país pouco maior que Portugal fazia com que o mapa administrativo grego fosse ainda equivalente ao que existia em Portugal antes do séc.XIX, com as reformas do reinado de D. Maria II.

O que se fez, então, na Grécia?

Extinguiram-se as prefeituras, e fez-se uma profunda reforma nos restantes órgãos.

Começando pelo nível inferior -os municípios-, os Gregos fizeram uma reforma equivalente à que Portugal fez no reinado de D. Maria II, embora com mais de 150 anos de atraso. De 1033 municípios, passaram a ter apenas 325, um número equivalente ao que existe actualmente em Portugal (o que só prova que, ao contrário do que certas vozes clamam, Portugal não tem concelhos a mais).

Quanto às periferias, passam de 54 para 13, e verão as suas competências ser reforçadas. O cerne da Regionalização grega está nas periferias, que serão as verdadeiras Regiões Administrativas da Grécia. Tal como os municípios, terão órgãos eleitos de 5 em 5 anos, neste caso um Periferiado (equivalente à Junta Regional) e uma Conselho Periferial (equivalente à Assembleia Regional). Deixam, assim, de ser um "híbrido" entre municípios e regiões, e assumem-se como verdadeiras unidades regionais, conforme o seguinte mapa:

Por fim, e para pouco mais que fins estatísticos, a Grécia decidiu instituir 7 "administrações descentralizadas", que serão agrupamentos de periferias que não terão mais que uma representação do Governo, à semelhança do que acontece com o Representante da República na Madeira e nos Açores, sendo que na Grécia participarão neste órgão também representantes das periferias e dos municípios.

A questão do tamanho das regiões:

Em Portugal, há a tendência em afirmar que as regiões devem ter dimensão e população relativamente grandes, supostamente para terem "massa crítica", e que para isso se devem ignorar os contrastes geográficos, económicos e sociais, e esquecer as identidades regionais tradicionais. Daí em Portugal alguns defenderem o mapa de 5 regiões, com as regiões "norte e centro", completamente contrastantes no seu seio, apenas para terem grande tamanho.

Na Grécia, ao invés, pensou-se de outra maneira e seguiu-se aquilo que foi feito em praticamente todos os países regionalizados da Europa (destaco os Países Baixos, a Itália, a Espanha e a Suíça): teve-se atenção aos contrastes regionais, e respeitou-se as identidades existentes, ignorando o tamanho e a "massa crítica"- questão que aparentemente só em Portugal foi suscitada, e que nunca, em nenhum país, foi encarada como um problema.

Deste modo, as regiões (prefeituras) gregas variam muito em tamanho e em população. A região continental menos populosa é a Macedónia Ocidental, que contava em 2005 com 303.857 habitantes (menos do que teriam, por exemplo, Trás-os-Montes e Alto Douro ou a Beira Interior, ambas rondando os 350 a 400 mil habitantes), sendo que a região insular do Egeu Setentrional tem ainda menos habitantes: 208.151. Já no extremo oposto, a região mais populosa é Ática, com 3.841.408 habitantes (população equivalente à de Entre-Douro e Minho ou Estremadura e Ribatejo, ambas superando os 3 milhões de habitantes).

Assim, mais uma vez, fica demonstrado que a questão da "massa crítica" das regiões é um não-problema, suscitado apenas em Portugal para desviar atenções e atacar a Regionalização.

Implementação e reacções:

Esta nova reforma vai apenas entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011, e não precisou de qualquer referendo para ser aprovada (à semelhança do que se passou com quase todos os processos de Regionalização da Europa). Os gregos contam, com esta reforma, combater mais eficazmente a crise, diminuir as desigualdades entre as regiões (ao nível europeu, só Portugal as suplanta) e gerir mais eficientemente o território, ao mesmo tempo que diminuem os custos com a administração pública. Ou seja, seguem o lema «com menos, fazer mais», que presidiu à maioria das regionalizações na Europa.

Por seu turno, na Grécia praticamente ninguém fala numa hipotética ameaça à unidade nacional, antes pelo contrário! E não nos esqueçamos que a Grécia é, tal como Portugal, um país historicamente coeso, em que a esmagadora maioria da população fala apenas uma língua, com uma cultura muito própria e enraizada há milénios, com uma história incontornável, e um sentido patriótico bem presente na população. Porém, na Grécia os inacreditáveis discursos anti-regionalistas não colam- talvez devido à Grécia ser não só a pátria-mãe da democracia, como a pátria-mãe da Regionalização: as centenas de Cidades-Estado autónomas existentes na Grécia Antiga foram a primeira forma de Regionalização a nível mundial.

Os gregos já foram às urnas para eleger os novos governantes regionais. Tal aconteceu no mesmo dia das Eleições Autárquicas (aí está uma boa forma de poupar nos gastos e atrair mais votantes), a 7 de Novembro último, com uma tradicional segunda volta no dia 14. Interessante também é o modelo de escolha dos candidatos: estas eleições são apartidárias, e no boletim de voto aparece apenas o nome dos candidatos, tal como acontece em Portugal nas Eleições Presidenciais.

Em jeito de conclusão, saliente-se o modo como a Regionalização foi encarada na Grécia: uma reforma de futuro, para modernizar o Estado e o País, reduzir os custos da Administração Pública e assim combater o défice e a crise, aproveitando para atenuar os contrastes regionais e promover o desenvolvimento.

O que mais será preciso para que em Portugal se deixe de pensar na Regionalização como "tachismo", "despesismo" e "separatismo"? O que mais será preciso para que os anti-regionalistas deixem de chamar aos regionalistas "provincianos", ignorando que com isso estão também a chamar "provincianos" aos alemães, franceses, belgas, holandeses, espanhóis, italianos, suíços, austríacos, ... ?

Está na hora de mudar mentalidades.


João Marques Ribeiro


Comentários

Mais uma vez, um artigo, extremamente oportuno.

Cumprimentos,
Oportuno é, de facto. Mas é ompletamente incorrecto na relação directa que tira entre a "justeza" da regionalização grega e o modelo para Portugal.
Só porque a Grécia se queda com trezentos tal municípios e adopta mais muitas regiões, o autor diz que isso são argumentos contra os que em Portugal defendem que há municípios a mais e que apenas querem 5 regiões no continente.
Não só não se percebe como intelectualmente não é bonito.
(pedindo desculpa pelos erros de teclado; substitui o anterior post)
Oportuno é, de facto. Mas é completamente incorrecto na relação directa que tira entre a "justeza" da regionalização grega e o modelo para Portugal.
Só porque a Grécia se queda com trezentos e tal municípios e adopta muitas mais regiões, o autor diz que isso são argumentos contra os que em Portugal defendem que há municípios a mais e que apenas querem 5 regiões no continente.
Não só não se percebe como intelectualmente não é bonito.
Caro JPdS:

O facto de a Grécia, como muitos outros países, adoptar cerca de 300 municípios e 13 regiões, com tamanhos e populações idênticos aos que já existem em Portugal (caso dos municípios), ou que eu defendo (mapa de 7 regiões), é um argumento válido a partir do momento em que sabemos que as principais premissas da argumentação de quem defende 5 regiões e extinções de municípios é a seguinte:

*"Regiões demasiado pequenas não têm massa crítica para existir e se desenvolver".
Ora o facto de a Grécia ser mais um país (em quase todos os países regionalizados da Europa acontece) que adopta um modelo onde coexistem regiões pequenas com grandes; regiões com 200 mil habitantes com regiões com mais de 3 milhões, prova inequivocamente que essa argumentação é falsa.
(falo da Grécia, que nem é grande exemplo, mas podia falar de modelos como o holandês ou o italiano, onde isso acontece e não há quaisquer problemas);
Se se afirma que regiões pequenas não podem existir, o facto de noutros países elas existirem é prova que o argumento é falso!

*Quanto aos municípios, defendem que "para um país pequeno como Portugal 300 municípios são demais".
Ora, a Grécia não é muito maior que Portugal e tem um número de municípios um pouco maior. Mas, mais uma vez, há exemplos melhores: atentemos na Galiza, que tem um modelo municipal igual ao nosso (municípios e freguesias), e que, sendo muito mais pequena que Portugal, tem mais concelhos que nós (315) e ainda 3 792 parroquias (freguesias), cujo tamanho está em linha com o das nossas.
Mas há muito mais exemplos!

Portanto, se os defensores da extinção de municípios defendem que somos um país demasiado pequeno (mito) para ter 300 municípios, e se há territórios do mesmo tamanho ou ainda mais pequenos, com o mesmo nº de municípios, isso só prova que essa argumentação é falsa.

Cumprimentos,
Al Cardoso disse…
Esta mais que provado financeiramente, que o problema economico e financeiro de Portugal, nao e devido ou facto de ter-mos os municipios e freguesias que temos! Pois no computo global, gastam centavos, comparado com os gastos (ou mal gastos)dos governos em si.
Tambem so um estupido, que unicamente conheca a realidade da cidade, e que pode propor a extincao de municipios e freguesias, so pelo numero de eleitores!Desconhecendo a realidade local e regional, nao esquecendo a historica e cultural.
Dizendo isto, eu ate creio que provavelmente fara algum sentido uma reforma bem pensada, mas primeiro regionalizemos e a seguir deixemos que sejam as regioes a decidir essas materias e nao legislar de longe sem conhecer as realidades!

Um abraco regionalista do dalgodrense.
Caro al cardoso,

Concordo inteiramente com o que diz no seu comentário.

Cumprimentos,
PG disse…
Excelente notícia para os regionalistas, e em especial para o povo grego, que é o mais beneficiado com esta medida, pois, de certo verá a sua qualidade de vida aumentar bastante com a regionalização do seu belo país. A meu ver, a Grécia, se para além da regionalização, entre outras medidas encetar uma reforma do seu Estado com a diminuição do peso deste e elaborar um plano de desenvolvimento a médio prazo, daqui a umas décadas terá níveis de desenvolvimentos iguais da Europa Central ou Nórdica.

Apenas tenho de discordar do autor deste post nas suas referências à Irlanda. Antes de mais, não se pode considerar a Irlanda como na cauda da Europa (o país tem indicadores de desenvolvimento socioeconómicos elevadíssimos, e foi considerado, segundo o último Relatório de Índice de Desenvolvimento Humano como o 5.º país mais desenvolvido do mundo, apesar da crise). Portanto é um país que nada tem a ver com Portugal, em termos de desenvolvimento e prosperidade. Além disso, a crise que a Irlanda está a viver de certo que não vai durar para sempre, e quando acabar, provavelmente a Irlanda continuará desenvolvida e com uma alta qualidade de vida, e nós em Portugal, temos os indicadores que temos.

Além disso a Irlanda já está regionalizada: tem, num 1º nível os 29 condados (County Councils) e as 5 cidades (City Councils) - que têm funções semelhantes às de uma região administrativa ou às de uma comunidade intermunicipal - ; e num 2.º nível, os 29 town concils, semelhantes às nossas freguesias ou aos municípios pequenos. Todos estes órgãos são eleitos directamente.

Para além disto existem 2 Assembleias Regionais, (uma para o Norte e outra para o Sul do país), semelhantes às nossas CCDR’s, eleitas por sufrágio indirecto.

Podemos talvez achar este que é um sistema de subdivisões estranho, ou que não tem regiões, mas temos que ter em atenção que na Irlanda, um país quase do tamanho de Portugal, vivem apenas 4 milhões de habitantes, pelo que as atuais divisões administrativas irlandesas ainda servem muito bem para a administração do país.

Portanto com esta medida da Grécia, Portugal passa a ser o único país da UE-15 a não se regionalizar, ficando mais uma vez atrás em relação à Europa e ao mundo desenvolvido. Só espero que haja vontade política e da sociedade em alterar este estado de coisas.
Caro Al Cardoso:

Subscrevo totalmente o seu comentário.

Caro PG:

Quanto à Irlanda, não deixo de acabar por concordar consigo.
Apesar de não ter regiões propriamente ditas, a Irlanda é um país com características muito especiais, por ser uma ilha relativamente pouco povoada.
Assim, a Irlanda não tem regiões mas tem uma espécie de "concelhos" com competências alargadas, que absorvem aquilo que noutros países é entregue às regiões. Ou seja, e isto é o mais importante, acaba por ser bem menos centralizada que Portugal!

Talvez "cauda da Europa" também não seja a expressão mais adequada, admito. Neste momento, são inegavelmente dois países em forte crise. Mas a situação da Irlanda pode comparar-se um pouco à de Espanha, onde certamente quando a crise começar a fazer-se sentir menos, o desenvolvimento voltará em força. Já em Portugal, infelizmente...

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Caro João Marques Ribeiro,

Parabéns pelo artigo que publicou aqui no blogue da regionalização. A propósito desta autêntica 'reforma estrutural' e de raíz, é interessante que se comece a verificar que já muitos concordam com alteração do número de freguesias e de concelhos só depois de implementada a regionalização no terreno. Quem continua com os argumentos relacionados com a 'dimensão crítica', continua também a não saber o que argumentar para estar contra a regionalização. A dimensão crítica como critério orientador, para esta profunda reforma política, organizativa, económica, social, cultural e financeira, não tem sentido absolutamente nenhum e revela muita tacanhez de muitas cabeças pensantes do nosso País. Algumas delas devem ter o nariz fisiologicamente grande, mas intelectualmente muito pequeno, para não conseguirem descortinar para além dele.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Caro anónimo pró-7RA:

Muito obrigado pelo elogio. A ver vamos o que se passará em Portugal nos próximos tempos...

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Votarei sempre contra a regionalização. Acham que as CCR têm poucos tachos? Não conheço ninguém na CCRAlentejo que não tenha entrado por cunhas. E digo mais. Temos 300 e tal CM. Só 100 chegavam e sobravam. Eu quero muito menos políticos não quero mais políticos e sem classe. Basta olhar para as regiões autónomas (mas a viverem de transferências do continente) para ver a qualidade que por lá pulula.