Regionalização em tempo de crise

Numa altura em que esta reforma está cada vez mais a entrar de novo na ordem do dia, uma pergunta se impõe: Faz sentido falar em regionalização nesta altura de crise?

Sim, faz todo o sentido. E porquê? Por um lado, porque a profunda crise que Portugal vive tem uma fortíssima componente orçamental, uma vez que a despesa do Estado é demasiado elevada e a sua eficiência deixa muito a desejar. Cada vez mais se fala numa necessária reforma do Estado, e é precisamente aí que a Regionalização tem um papel fundamental. O Estado Português é marcado pela desorganização a vários níveis: por um lado, temos organismos que há vários anos se multiplicam como cogumelos, em todos os ministérios, com funções muitas vezes mal demarcadas e até sobrepostas, o que causa uma indefinição quando há necessidade de saber quem efectivamente tem de tomar decisões sobre determinada matéria. Aí surge o chamado “jogo do empurra”, metáfora infeliz do funcionamento do Estado Português, que leva os cidadãos, as empresas, e até o próprio Estado, que precisam de decisões rápidas e eficazes, a ver-se confrontados com inúmeros problemas burocráticos, indefinição de competências e repetidas transferências de processos entre organismos do Estado, o que se traduz em tempos de espera demasiado elevados para decisões que têm de ser rápidas para que o País funcione.

Na maioria das regiões do País, este problema é ainda agravado pelo caos administrativo em que Portugal está mergulhado há décadas. Há decisões que têm de ser tomadas a nível regional, pois são demasiado abrangentes para dizer respeito a um só concelho, mas ao mesmo tempo são muito localizadas para dizer respeito a todo o País. Daí a necessidade de o Estado se organizar a nível regional. Apesar de todos os Países da Europa Ocidental terem chegado a esta conclusão óbvia, Portugal prefere insistir em não ter regiões administrativas, mas, como se confronta com a necessidade incontornável de se organizar a nível regional, mantém, para cada área, o seu mapa. O grande problema é o facto de estes mapas se sobreporem e, muitas vezes, contradizerem, gerando uma incomportável confusão para Estado, cidadãos e empresas.

Tomemos como exemplo o concelho de Paços de Ferreira. A nível estatístico, o País está, por obrigação da União Europeia, organizado em regiões estatísticas de nível II (NUT-II) e de nível III (NUT-III). O concelho pacense está inserido na NUT-II do Norte e na NUT-III do Tâmega. O mapa das NUT-II (muitas vezes com as fronteiras adaptadas aos limites distritais) serve de base para os investimentos comunitários e para vários organismos, nomeadamente ao nível da educação (as escolas do concelho estão sob alçada da Direcção Regional de Educação do Norte) e saúde (os centros de saúde do concelho respondem perante a Administração Regional de Saúde do Norte). Já o mapa de NUT-III, por exemplo, serviu de referência para a atribuição de isenções e descontos nas SCUT. Mas, se para uns organismos a referência é o mapa das regiões estatísticas, para outros esse papel pertence aos distritos. O concelho de Paços pertence ao distrito do Porto, sendo que, por exemplo, os assuntos relacionados com apoios sociais estão sob a coordenação do Centro Regional de Segurança Social do Porto. Vários outros assuntos, como a requisição de passaportes e licenças para concursos, por exemplo, são tratados pelo Governo Civil do Porto. Em caso de catástrofe, a coordenação cabe ainda à Protecção Civil Distrital do Porto. Mas se ao nível nacional são estes os principais modelos de organização, já ao nível local a organização é bem diferente. Os municípios foram incentivados pelo Estado a organizar-se em Comunidades Intermunicipais, cujos limites, muitas vezes, contradizem os das NUT-II e III. Paços de Ferreira está na Comunidade Intermunicipal do Sousa e Tâmega, porém também existe ainda a Comunidade Urbana do Vale do Sousa, na qual o município está também inserido. Se tudo isto era já confuso, juntemos-lhe agora as organizações sub-regionais de serviços, por exemplo, de educação e saúde, que raramente seguem as NUT-III. No primeiro caso, as escolas de Paços estão sob alçada directa da Equipa de Apoio às Escolas do Vale do Leça, agrupamento regional inédito, que junta Paços de Ferreira a Santo Tirso. Já ao nível hospitalar, a referência deixa de ser a cidade dos jesuítas, e passa a ser Penafiel.

Tudo isto é caricato e, para além do compreensível e diário transtorno, representa elevados custos. Por trás de todos estes organismos estão muitos funcionários e gestores que trabalham a maioria das vezes em exclusividade, recebendo não raras vezes avultados salários, que, aliados aos custos de funcionamento de toda esta confusa “máquina”, consomem os recursos do País.

É premente a necessidade de uma reforma, para solucionar este problema. A Regionalização seria o pilar fundamental para esta reforma, pois faria o mais importante, começando por acabar com todos os mapas anteriormente referidos, organizando o Estado a partir de um único mapa, reduzindo significativamente o número de organismos e simplificando assim todos os processos, abrindo caminho à maior eficiência estatal. Tudo isto levaria à redução de custos, como corolário daquele que muitos regionalistas apoiam como lema para a Regionalização: “com menos, fazer mais”. Uma Regionalização bem feita é assim fundamental para, nestes tempos de crise, abrir a Portugal a portas do desenvolvimento.


João Marques Ribeiro

in Tribuna Pacense (Paços de Ferreira, Entre-Douro e Minho), 05/11/2010

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Já respondi antes, também como parte da solução desta e de outras crises posteriores.
Não pensem que a crise actual vai acabar com a eliminação (provável) do défice das contas públicas.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)