Barragem com património mundial ao fundo

Já não há volta a dar. A barragem do Tua começou a ser construída, com argumentos conhecidos e mais que debatidos. A redução da dependência energética, nos dias que correm, será porventura o mais forte e indiscutível. Será assim mesmo? O empreendimento hidroeléctrico do Tua produzirá uma parcela muito reduzida da energia que consumimos. E, no entanto, perde-se uma das paisagens mais impressionantes do país.

Não será por acaso que a região do Douro, de que o Tua faz parte, conquistou o alto estatuto de património Mundial da UNESCO. Como se sabe, agradar a Deus e ao Diabo nem sempre é possível. A paisagem, tal como a conhecemos hoje, acabou. Restam alguns dias, antes que as máquinas esventrem tudo, para se observar a excelência do vale, depois será matéria documental. Até podem dizer-nos que o espelho de água criado pela albufeira será de uma beleza extraordinária, capaz de potenciar o turismo, de captar investimento e por aí fora. Mas jamais será paisagem única, património da humanidade.

A barragem do Tua, um investimento de 305 milhões de euros, criará, de acordo com dados do Governo, quatro mil postos de trabalho, mil dos quais directos. Tal como aconteceu noutros locais, estes postos de trabalho existem enquanto a barragem estiver em construção. Depois, a história será idêntica ao que acontece em todos os locais onde foram construídas barragens.

Que benefícios retirou a população de Vieira do Minho das inúmeras barragens construídas no concelho? Nenhum. E em Trás-os -Montes? Se o nível de emprego e de desenvolvimento fosse proporcional aos empreendimentos hidroeléctricos, a região do Douro estaria na linha da frente, e não está.

A questão que se mantém em relação à barragem do Tua, uma de nove previstas no Plano Nacional de Barragens, é saber se o benefício compensa o que destrói: da paisagem, e tudo que a ela está inerente em termos de biodiversidade, ao turismo. As dúvidas persistem, o futuro dirá o que se perde para sempre.

Paula Ferreira

|JN|
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Comentários

Fronteiras disse…
Concordo ponto por ponto. Conheço a região e acho que é uma aberração. O que noutros países seria um valor acrescentado como é a Linha do Tua, cá se destrói numa ideia de desenvolvimento errada.

A minha experiência é que na Europa as linhas de comboio são muito mais valorizadas. Há comboios turísticos vocacionados para um turismo médio-alto com carruagens de luxo. Há inúmeros exemplos por essa Europa fora. Mesmo em Espanha, um país que não se caracteriza precisamente por essa tradição ferroviária há o Transcantábrico, um comboio de luxo que faz um percurso de uma semana por todas as regiões do Norte do País Basco até a Galiza e custa 3000 EUR por pessoa.

Será que cá não haveria pessoas que gostariam de fazer a Linha do Douro toda incluindo as linhas do Corgo e do Tua com visitas para os monumentos mais característicos, as adegas, lagares de azeite com a qualidade ímpar do azeite transmontano, isso tudo com a paisagem Património Mundial do Douro Vinhateiro? Acho que os «bifes», com uma boa promoção turistica, dariam em doidos.

Mas como diz a autora: Depois da construção da barragem, quais os benefícios? Dar luz ao litoral? E para isso, não há outras alternativas como as energias limpas e renováveis como as centrais foto-voltaicas no Alentejo, por exemplo, onde há imensa terra...?

Digam-me onde posso fazê-lo, porque eu assino por baixo para este verdadeiro manifesto de senso comum.