A regionalização e o país de gatas

O presidente da Câmara do Porto traçou ontem um retrato negro do país, ao falar durante um debate sobre regionalização promovido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N). Rui Rio acha - e com razão - que a nossa economia está "de gatas"; acha - e com razão - que o descrédito da classe política é grave e que a qualidade do "regime tem vindo a degradar-se"; e acha, também com razão, que são necessárias "reformas profundas" para pôr o regime a "funcionar". Caso contrário, "vai ser mau". Pois vai. E a regionalização no meio disto tudo? O autarca do Porto, convertido recentemente aos benefícios da dita, prefere, nesta altura, uma revisão constitucional a sério...

O desassossego de Rui Rio é compreensível. O argumentário que o sustenta também. Ocorre que, ao misturar tudo para desenhar no horizonte uma imagem de desnorte, o presidente da Câmara ajuda, com certeza sem querer, os que não apreciam as virtudes da regionalização. Porquê? Porque, como todos sabemos, está no ADN dos portugueses quererem fazer tudo e mais alguma coisa, para acabarem a não fazer nada de verdadeiramente relevante.

É um erro sério permitir que a regionalização seja embrulhada num pacote em que nos é dado a escolher o seguinte: é preferível ter contas públicas sãs ou a regionalização? É preferível uma Justiça a funcionar em pleno ou a regionalização? É preferível um Sistema Nacional de Saúde em ordem ou a regionalização? Ainda que mal comparado, é o mesmo que perguntar a um pai se gosta mais de um filho do que do outro.

Não faz sentido colocar o problema desta forma. O que faz sentido é pedir - melhor: exigir - aos partidos políticos que desatem o nó górdio que montaram a propósito da regionalização. O cálculo de circunstância que armadilha o tema desde há demasiados anos pode bem ser ultrapassado, com bom senso e sensibilidade, em sede de revisão constitucional. A mesma que Rui Rio reclama.

O contrário disto é isto - no segundo semestre do ano passado, foram investidos em Lisboa 19 milhões de euros de fundos comunitários que tinham sido atribuídos às regiões Norte, Centro e Alentejo. Por junto, Lisboa já arrecadou 173 milhões de euros que, espantemo-nos, serão contabilizados como tendo sido gastos naquelas regiões! Chama-se a isto "efeito difusor". O nome é bonito, não é? As consequências para as regiões mais necessitadas é que nem por isso...

Paulo Ferreira

|JN|
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