Interior (e não só...) vai ficar sem linha férrea ?


Estudo entregue à troika propõe fecho de 800 km de linha férrea

Razia idêntica à do fim dos anos de 1980

Documento feito, à revelia da Refer, pelo anterior Governo do PS deixa a rede ferroviária circunscrita basicamente ao eixo Braga-Faro, Beira Alta e Beira Baixa. Restantes linhas seriam amputadas ou desapareceriam.

A concretizar-se, será uma razia idêntica à do fim dos anos de 1980, quando Portugal encerrou 800 quilómetros de linhas de caminho-de-ferro, sobretudo no Alentejo e em Trás-os-Montes. O Governo de José Sócrates propôs à troika o encerramento de 794 quilómetros de vias-férreas, também com particular incidência no Norte e no Alentejo, mas desta vez incluindo algumas linhas do litoral, como a própria Linha do Oeste, que seria encerrada entre Louriçal e Torres Vedras (127 quilómetros).

O estudo foi realizado, à revelia da Refer, por uma equipa conjunta do Ministério das Finanças e do Ministério das Obras Públicas e Transportes. E consolida o fim das linhas que até agora estavam encerradas "provisoriamente" à espera de obras de modernização (Corgo, Tâmega, Tua e troços Figueira da Foz-Pampilhosa e Guarda-Covilhã, num total de 192 quilómetros).

Inclui também a Linha do Douro, entre Régua e Pocinho (68 quilómetros), a Linha do Leste entre Abrantes e Elvas (130 quilómetros), a Linha do Vouga (96 quilómetros), o ramal de Cáceres (65 quilómetros), a Linha do Alentejo entre Casa Branca e Ourique (116 quilómetros). Esta última deixaria Beja sem comboios, apesar de, neste momento, a CP estar a preparar uma oferta especial desta cidade aos Intercidades de Évora.

O documento foi apresentado à troika como uma medida eficaz de redução da despesa pública, uma vez que tem um forte impacto simultâneo nas contas da Refer e da CP. Na primeira empresa reduz custos de manutenção e de exploração e na segunda permite-lhe acabar com o serviço regional onde este é mais deficitário (embora nalgumas linhas a abater exista um significativo tráfego de mercadorias).

O impacto deste eventual encerramento deixa a rede ferroviária circunscrita basicamente ao eixo Braga-Faro, Beira Alta e Beira Baixa, desaparecendo as restantes linhas, sendo amputadas outras.

A administração da Refer não subscreve esta visão sobre a ferrovia portuguesa e que tem em cima da mesa um documento de trabalho - ainda não terminado - com uma proposta de cortes mais modesta.

Nela se mantém o fecho das linhas já encerradas (com excepção da ligação Guarda-Covilhã) e se estuda o encerramento do ramal de Cáceres (Torres das Vargens-Marvão), a Linha do Vouga apenas entre Albergaria e Águeda (14 quilómetros) e a Linha do Alentejo entre Beja e Ourique (36 quilómetros). No total, são 240 quilómetros, contra os 800 preconizados no documento elaborado pela equipa mista das Obras Públicas e das Finanças do Governo anterior, liderado pelo PS.

Técnicos da Refer dizem que esta é uma proposta "cega" e que ignora a importância das redundâncias do sistema. Por exemplo, a Linha do Oeste serve de alternativa à Linha do Norte e a do Alentejo à do Sul. O encerramento conjunto do ramal de Cáceres e da Linha do Leste privaria Portugal de qualquer ligação ferroviária a Espanha a sul de Vilar Formoso, aumentando a distância dos portos de Sines, Setúbal e Lisboa a Madrid e à Estremadura espanhola.

No Douro, o encerramento da linha a jusante da Régua compromete o desenvolvimento turístico da região, que é património mundial. Paradoxalmente, o que os autarcas da região têm vindo a pedir é a reabertura do troço Pocinho-Barca de Alva para fins turísticos e para aproximar a região do mercado espanhol.

Outro paradoxo é a linha entre Guarda e Covilhã, na qual a Refer tem investido, nos últimos sete anos, dezenas de milhões de euros e onde decorrem presentemente investimentos de 7,7 milhões de euros para reparação de túneis. Este troço arrisca-se a não reabrir depois deste dinheiro gasto.

Já sobre a Linha do Oeste havia a promessa da sua modernização, dado tratar-se de uma linha que atravessa uma das regiões do país com maior densidade populacional, unindo um corredor que contém Torres Vedras, Caldas da Rainha, Marinha Grande, Leiria, Figueira da Foz e Coimbra. Um corredor, de resto, que tinha tanto potencial em termos de mobilidade que justificou a construção das auto-estradas números 8 e 17.

"Dizem que a crise é boa para mudarmos hábitos e mudarmos de paradigma. Uma dessas mudanças tem a ver com uma mobilidade mais amiga do ambiente, com o uso do transporte público e o fim do "deus automóvel", mas não é a fechar linhas que isso se consegue. Se se acaba com a infra-estrutura, o comboio, que já hoje é pouco relevante, terá no futuro uma quota ainda mais residual", queixava-se um quadro da Refer que pediu o anonimato.

Se a Refer ficar aliviada destes 800 quilómetros de linhas, os seus quadros ficarão anda mais sobredimensionados, pelo que, em vez dos 500 despedimentos previstos este número poderá chegar aos 800. O Governo actual poderá "comprar" este documento e fechar as linhas sem grandes dificuldades, alegando as imposições da troika e com a vantagem acrescida de o trabalho de casa já ter sido feito pelo anterior Governo socialista. Ou poderá mandar estudar tudo de novo, ou ainda aceitar como bom o estudo em curso na Refer.

O actual conselho de administração desta empresa pública (nomeado pelo Governo de Sócrates) termina o mandato no fim do ano, pelo que dificilmente o novo Governo o substituirá - caso contrário, teria de pagar chorudas indemnizações a administradores, em época de crise.

|Publico|
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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

O Tribunal Penal Internacional deveria ter uma Secção nos crimes de lesa-pátria, entre os quais está os cometidos contra o meio de transporte que se adapta a todas as formas de energia, desde as mais poluentes às mais limpas, do ponto de vista ecológico.
Por outro lado, é inquestionável a sua importância não só no transporte de mercadorias como de pessoas a velocidades e tempos que não deixam ninguém envergonhado nem chegado atrasado a onde quer que seja. Se devidamente modernizado, é capaz de a sua oferta gerar a correspondente procura e fazer as auto-estradas e scut's andar às moscas e a revelar que ouve interesses diferentes dos da sociedade a que petencemos para decidir a favor das autovias em detrimento das ferrovias. Não há necessidade de novas ferrovias mas houve sempre necessidade de reestruturar as existentes, tanto as que foram encerradas como as que ainda se encontram ao srviço, servindo interesses reais e públicos não só nacionais como sobretudo regionais.
Depois, foi uma ofensa aos pioneiros dos caminhos de ferro em Portugal decidir sobre a destruição de infraestruturas históricas de relevãncia comprovada para o desenvolvimento das comunidades locais e regionais e de integração no todo nacional, potenciando os recursos de cada região onde se encontravam implantadas.
Agora, propôr a destruição de mais 800 km de ferrovia, nem ao Diabo lembra. Como é possível pensar-se o futuro com propostas deste péssimo calibre? A participação numa gueera com o seu poder de destruição não faria melhor!

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Cada vez compreendo melhor os critérios de escolha dos titulares de desempenho, seja em que organização for.
zangado disse…
Mais um exemplo claro da estupidez de quem nos tem governado. Eliminar linhas fundamentais para o desenvolvimento do país só pode ser uma decisão criminosa. Fala-se tanto em poluição e se já há falta de comboios então agora ainda querem pôr isto pior. Faz falta a linha da Régua até Barca de Alva e daí a Salamanca e Castela, não se percebe manter o corte entre Guarda e Covilhã que fazia a ligação entre as linhas da Beira Alta e da Beira Baixa e por onde eu transitei quando estive um ano na Covilhã, cortar parte da linha do Oeste, deixando de servir Torres Vedras, Caldas da Raínha (e seus arredores como Óbidos, Foz do Arelho, S. Martinho do Porto, ...) e a zona mais a norte, são os casos que considero mais flagrantes, não esquecendo as ligações das linhas do Tâmega, do Tua (já não bastava a treta da barragem) e outras que fazem falta ao transporte de portugueses, de mercadorias e até aos espanhóis e a turistas que nos visitam. Se até já eliminaram, há uns anos, os comboios regionais Porto - Coimbra e os Porto - Aveiro muitas vezes só vão até Ovar, aonde vamos parar?
Qualquer dia só há comboios de Lisboa para os seus subúrbios e as ligações Porto-Lisboa e desta para o Algarve. Já se esqueceram da vergonha que são as ligações ferroviárias entre Porto, Viana, Valença e Vigo?
Mas estes tecnocratas instalados em Lisboa que conhecem afinal do País real, aquele em que os portugueses vivem?
Tenham juízo e se não são competentes larguem os bem remunerados lugares que ocupam. Se o actual governo quer governar bem, que corte na despesa pública que é aquilo que até agora não se tem visto.Que diminua o número de deputados, de acessores, dos milhares de funcionários da administração central, dos gestores das empresas públicas e público-privadas e das largas mordomias que todos eles usufruem. Os portugueses já pagam demasiados impostos e muitos vivem cada vez com mais dificuldades e, se lhes tiram os transportes públicos, como poderão deslocar-se dentro do país. Nem todos têm carros do estado e motorista às ordens, como estes centralistas ignorantes!