Organização de Lisboa e Porto enquanto cidades e comparações com outros exemplos europeus

Uma coisa que sempre me fez confusão ao viajar por diversos países da Europa é o facto de Lisboa ter tão pouca gente em relação a outras cidades, muitas vezes cidades menos conhecidas ou mediáticas.

Sei que se cultiva entre nós e desde criança o discurso do país pequenino, do país de caca que em todos os campos tem de perder por comparação com os outros países da Europa, no entanto quando visito cidades noutros países não é essa a realidade que encontro. Poucas cidades se comparam a Lisboa em termos de tamanho e numa série de características típicas de grande cidade (oferta cultural, turística, etc…).

Esta sensação aumentou há pouco tempo, aquando da nossa derrotada candidatura ibérica à organização dos mundiais de futebol de 2018 e 2022. No livro da nossa candidatura existia uma lista com informação sobre as cidades-sede na qual Lisboa com os seus 564 mil habitantes aparecia como a 7ª maior cidade da península ibérica atrás de Madrid (3,2 milhões), Barcelona (1,6 milhões), Valência (807 mil), Sevilha (700 mil) e até cidades como Saragoça (666 mil) e Málaga (566 mil). O Porto, com 216 mil habitantes, aparece como a 15ª maior cidade das 18 em causa, apenas à frente Santander, San Sebastian e A Corunha! (Sim até Murcia diz que é maior que o Porto) .

Conhecendo eu Lisboa, o Porto e pelo menos Madrid, Barcelona e Sevilha (as outras bastou ver o Google maps para confirmar o seu tamanho) alguma coisa tinha de estar errada. Nem Madrid ou Barcelona são assim tão maiores que Lisboa, nem Sevilha é, de longe maior que a nossa capital.

Uma breve comparação com a população de outras cidades europeias foi o suficiente para verificar que um conjunto mesmo muito grande de cidades, que Lisboa e Porto “metem num chinelo” (com todo o respeito por elas), que têm mais população que as nossas duas grandes cidades. E no caso das cidades que são efectivamente equivalentes ou maiores a diferença das populações residentes em relação a Lisboa e Porto é anormal.

Dir-me-ão, e com razão que “sim, mas as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto são grandes e comparáveis às de outros país”. De facto sim, mas na grande maioria das metrópoles europeias cerca de 70-80% da população vive dentro dos limites da cidade prinicipal. Nas metrópoles portuguesas a diferença é de 564mil para 2,8 milhões em Lisboa (quase 1/6 da população) e de 216 mil para 1,6 milhões no Porto (1/8 da população). Sabendo que Portugal não adoptou modelos raros de crescimento urbano das suas metrópoles, tendo estas crescido, grosso modo, através dos mesmos mecanismos e fenómenos urbanos do resto da Europa continuei a estranhar tais diferenças.

Decidi então recorrer aos factos, e perceber afinal em que moldes é que Málaga é maior que Lisboa e Gijón maior que o Porto.

A resposta está nos limites administrativos. Apesar de esta ser uma questão muito pouco estabilizada (cada cidade tem a sua maneira de se organizar administrativamente e praticamente seu modelo) é possível concluir a grande maioria das cidades grandes europeias tem os seus limites administrativos relativamente adaptados à sua dimensão real, ao seu contínuo urbano.

Sendo assim temos, entre as 20 maiores cidades da União, por exemplo Londres com 7,556 milhões hab (Área: 1579 km2), Berlim com 3,448 milhões hab (Área: 891 km2), Roma com 2,473 milhões hab (Área: 1285 km2), Bucareste com 1,918 milhões hab (Área: 228 km2) ou cidades como Hamburgo (1,774 milhões hab em 755 km2) e Budapeste (com 1,712 milhões hab em 525 km2).

Os 564 mil habitantes de Lisboa correspondem aos limites administrativos do Concelho de Lisboa que tem apenas 83 km2! As razão para esta área tão pequena em comparação com outras cidades europeias é o facto de os actuais limites administrativos da Área metropolitana de Lisboa terem sido definidos, praticamente todos, ainda no século XIX. Os de Lisboa foram definidos em 1886 adaptando-se à então recém construída estrada de circunvalação, e absorvendo os antigos municípios de Belém e Olivais. Havia à época a consciência de que a cidade estava num processo de crescimento demográfico e que era preciso áreas de expansão da cidade.

124 anos depois as nossas cidades já não têm nada a haver com as daquele tempo e Lisboa é, hoje em dia, uma metrópole de 2,8 milhões de habitantes numa área de 2962 km2. No entanto a divisão administrativa ainda é praticamente a mesma do séc. XIX, e a área metropolitana está dividida em 18 concelhos independentes entre si sendo administrada de 18 maneiras diferentes.

A falta de poder regional ou de uma junta metropolitana com poder efectivo faz com que não se cumpra qualquer tipo de estratégia regional ou metropolitana e esta cidade gerida de 18 maneiras diferentes tem como consequência a ausência de um modelo organizado e perda de competitividade de Lisboa.

Hoje em dia o município de Lisboa estuda uma reforma da sua organização interna dando mais poder às freguesias enquanto organismos de administração local. Esta lógica é a mesma que levou à criação dos concelhos da Amadora em 1979 (por desanexação de Oeiras) e Odivelas em 1998 (por desanexação do concelho de Loures), dois concelhos pequeníssimos (com 20 km2 cada um).

Estas medidas não deviam limitar-se ao concelho de Lisboa ou à criação de ainda mais concelhos independentes dos outros. São medidas avulso e que não respondem realmente ao problema da divisão administrativa.

Pelo menos em Lisboa e Porto o modelo de administração territorial tem de ser revisto uma vez que está completamente obsoleto e não corresponde às cidades que temos hoje. A meu ver tem de haver um modelo baseado em três escalas, a escala regional ou metropolitana, a escala da cidade e uma escala local.

As unidades territoriais definidas pelo Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT AML[1]) aproximam-se daquilo que é a realidade urbana actual e poderiam servir de base a uma nova divisão administrativa da AML na qual Lisboa anexa partes dos municípios envolventes (se o fizeram no séc. XIX porque é que não o conseguimos fazer hoje?) passando a corresponder a um território de 581 km2 e 1, 854 milhões de habitantes (população de 2001, para 2021 estão estimados 2 milhões de habitantes), que representa muito melhor aquilo que é hoje o contínuo urbano de Lisboa e é comparável em área e população às outras cidades europeias.

No Porto a situação é tão absurda (os 216 mil habitantes do Porto correspondem ao município do Porto que tem apenas 41 km2) que já se discute hoje em dia, com alguma visibilidade, a hipótese de fusão dos municípios do Porto, Gaia e Matosinhos, passando os novos limites a corresponder a 271 km2 e 697 mil habitantes.

Claro que não podemos mudar só para fazer como os outros ou aparecer no ranking das maiores cidades, se bem que, em termos de marketing urbano ter efectivamente uma cidade que é uma das 10-15 maiores da união europeia e ela não aparecer nem como uma das 30 maiores é, a meu ver, uma tremenda burrice. Se ainda por cima o modelo actual de administração do território não funciona, está na altura de mudar.

Terminando o raciocínio e voltando às cidades ibéricas, se aplicarmos critérios equivalentes (áreas que correspondem aos limites das cidades e das respectivas regiões metropolitanas) Madrid tem 3,2 milhões de pessoas numa cidade de 607 km2 e 5,9 milhões de pessoas na sua área metropolitana de 8028 km2 (corresponde à região autónoma), Barcelona tem 3,2 milhões de habitantes em 636 km2 e 5,3 milhões de habitantes numa metrópole de 7733 km2 (Barcelona parece viver um caso semelhante ao de Lisboa já que em termos oficiais conta com tem 1,595 milhões de pessoas numa cidade de 101 km2 e uma área metropolitana de apenas 636 km2 e 3,2 milhões de habitantes).

Lisboa com 1,854 em 581 km2 e 3,4 milhões de pessoas em 11633 km2 (correspondente à região de Lisboa e Vale do Tejo), Valência com 797 mil hab em 134 km2 de cidade e uma metrópole de 2,4 milhões de habitantes em 10563 km2, Sevilha com 703 mil habitantes em 141 km2 e uma província de 1,8 milhões de pessoas numa área de 14001 km2.

Porto com 697mil habitantes em 271 km2 mas 1,7 milhões de pessoas nos apenas 2089 km2 correspondentes à Área Metropolitana do Porto (não existe outra entidade que se possa comparar, já que a região norte é demasiado grande com os seus 21283km2).

Outras cidades como Saragoça, Málaga, Múrcia e Gijon têm áreas de 1051km2, 395km2, 881km2 e 181km2, respectivamente, e não têm uma expressão metropolitana.[2]

|Miguel Rocha|


[1] PROT AML 2009 páginas 86-87
[2] Fontes: wikipedia e ine.pt

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Mas a resposta também está no grau de degradação do parque urbano das zonas das nossas cidades, empurrando as populações para as periferias das mesmas ou de outras cidades.
A degradação da nossa indústria também reside na perda de competitividade por deixarem definhar ou degradar as condições técnicas, organizativas, económicas e financeiras de produção. Por outras palavras, aproveitaram até ao tutano as condições ancestrais dos equipamentos produtivos, sem quaisquer condições competitivas na actualidade recente (de há 30 anos a esta parte). Como também têm aproveitado, muitas das empresas industrais, até ao tutano, as condições de infraprodutividade de trabalhadores que nunca foram potenciados nem preparados para acções de formação actualizadoras e aperfeiçoadoras das funções que exerciam ou exercem. E lá vão trabalhando conforme podem e sabem para atingirem os objectivos que lhes estabelecem, cada mais próximos da exploração humana, pura e simples: antes exploração até ao tutano que o desemprego.
Tanto num caso como no outro, as cidades foram definhando com a degradação do seu parque habitacional e urbano e com a falência progressiva das empresas industriais especializadas em aproveitar apenas o tutano e nunca em desenvolvr seja o que for. Com tudo isto, extensivo a outras explorações económicas não industrais, foi-se desertificando o interior, 'inchando' populacionalmente o litoral e intensificando a mobilização urbana em direcção à emigração, com o definhamento progressivo de toda economia e o 'enchimento' monetário dos 'offshores' motivado por investimentos mais 'seguros'.
Com o amadorismo dos sucessivos governos tudo se foi agravando até atingirmos o 'climax' actual, teimando mais uma vez nas soluções financieras ou orçamentais mais fáceis e de resultados imediatos ou expeditos. Estou convencido que os membros de tantos governos desde 1974 são mais devotos de S. Expedito que governantes eficazes e eficientes. Uma vez mais, teima-se em não atacar a raiz dos problemas, ficando a implementação de soluções apenas pela rama que seca imediatamente quando submetida a uma pequena aragem quanto mais a uma ventania orçamental como aquela que nos vai atingindo. Ataca-se sempre mais quem não tem capacidade nem possibilidade de se eximir aoq ue é decidido sem ser antes anunciado nem explicado nas razões da sua implementação. No entanto, sem se explicitar também nem até conhecer, a tempo, as reais condições financeiras de outras actividades económicas não públicas que lá vão andando conforme podem nos segredos bem guardados das condições reais dos seus negócios.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)