No Douro andamos que nem uns tolos

O Douro vinhateiro anda atazanado e tens muitas razões para isso, pelo menos no que respeita aos interesses imediatos da maioria daqueles que teimam em consumir as vidas em redor das vides. Já se sente na pele, o que até aqui eram anunciados temores acerca do futuro de uma actividade económica que tem tanto de teimosia como de sabedoria. O lavrador do Douro é cada vez mais alguém com um pedregulho atado ao pé, numa tormentosa corrente. Não pode deixar de lutar, porque morre, mas morre se continuar a lutar.

Na tão celebrada terra do vinho, depois de há cerca de duas décadas, ninguém ter sabido ou querido, defender mediante as instituições nacionais e internacionais, o ponto de vista, de que sendo o vinho do Porto, produto exclusivo quer nacional, quer internacionalmente, logo, não tem concorrência, a falta de regulamentação forte e inteligente, levou ao descalabro. O abandono de hectares e mais hectares de explorações, a curto prazo, é mais certo que dois e mais dois serem quatro.

Com a mania de se submeter tudo o que mexe às regras do mercado, esqueceram-se os ensinamentos advindos da experiência de outros tempos, e como se fosse possível haver regulamentação automática e espontânea, quando meia dúzia de operadores compram quase a totalidade daquilo que três dezenas de milhares produzem, deitou-se para o caixote do lixo da História, um dos mais avançados e eficientes conjuntos de normas reguladoras de todo um sector.

Deitando-se os olhos sobre o que antes se passou, facilmente se conclui que no mundo da vinha e do vinho no Alto Douro, urgem os equilíbrios resultantes de arbitragens esclarecidas e eficientes. Sempre que se entrou em roda livre, foi o descalabro num mister em que sempre houve mais vozes que nozes, e no qual o proveito sempre reverteu maioritariamente para uns poucos em detrimento de muitos unicamente fartos de calos nas mãos e de canseiras na cabeça.

O viticultor duriense, espera ser esclarecido, e quiçá, acalmado, nestes dias em que se sente mais capaz de deixar as uvas nas videiras do que motivado para as cortar e acartar para os lagares. Os ânimos que fizeram surgir jardins onde havia fraguedos, andam desfalecidos. Os silvados podem vir a ganhar o terreno que sempre querem aos vinhedos que nós queremos e erguemos. De oras em quando atiram-nos com palavreados de esperança, mas nós mais não vemos do que palavras espalhadas ao vento.

Ainda mal o mês de Agosto tinha nascido, serviram aos lavradores do Douro angustia para no jantar. Comunicou-se com a forma do costume, e com a falta de substância tradicional, que o quantitativo de mosto a ser beneficiado para resultar em vinho do Porto, o tal que é um dos embaixadores de Portugal no mundo, seria de oitenta e cinco mil pipas. Menos vinte e cinco mil, que na campanha anterior. Caiu o Carmo e a Trindade por esse território de Deus nas mãos dos homens para que a obra fosse melhorada, eventualmente por falta de tempo de quem originou a origem.

Traição, miséria, mate-se e esfole-se. Ouve-se de um dos lados. Calma, é o melhor possível, é a única maneira de se garantir alguma sustentabilidade em ambas as profissões que operam no sector. Escuta-se do outro lado. Enquanto isso, porque grosso modo se encara o “cartão” como um direito, espalhou-se a sensação de “casa roubada” mesmo que as trancas estejam nas portas.

Não me atrevendo aqui a tecer considerandos acerca de quem estará mais certo ou mais errado, pois outros o saberão fazer melhor que eu, mas não posso deixar de lamentar a falta de esclarecimento e de discussão acerca de assunto tão nuclear. Uma vez mais, permite-se que a informação circule pelas esquinas das ruas e que as opiniões sejam medradas nas mesas dos botequins. Não falta nesse contexto, quem deite achas na fogueira e prosápias pela boca fora.

No Alto Douro, não se pode adiar mais que de uma vez por todas se diga o que se pretende em termos de estratégia. Temos de exigir que preto no branco, digam qual o modelo fundiário que irá ser desenhado, para que cada qual ande conforme as parcelas que possui. O problema, é que não haverá quem tal saiba. No entrementes, andamos que nem uns tolos.

por Manuel Igreja
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