… não haverá lápis que consiga banir o Interior

Acreditar no impossível!

Ninguém nos retirará, neste Interior raiano, os montes, e os vales, a beleza austera dos rochedos, a verdura dos campos, o porte frondoso dos carvalhos, a altura esguia dos pinheiros, os amarelos das maias primaveris, os tons torrados dos tojos e dos prados no verão nem a alvura da geada e da neve no inverno. Ninguém nos roubará os lugares onde as flores nunca perderão o sentido nem nunca recusarão o seu perfume.

Ninguém mutilará, a este Interior, o seu carisma fronteiriço.
Ninguém suspenderá ás suas gentes o seu carácter. Sempre a sua vontade será tão sólida quanto a dureza granítica. A gente do Interior será sempre de feitio volátil e de macieza no tratamento.
Persistirá, portanto, o Interior, como objecto de recordações e inspirador de novos sonhos. Ninguém lhe mudará a alma!
Ainda assim hão-de concretizar-lhe a desertificação!!!

Duvido que o tempo ou o assunto se prestem a metáforas ou trocadilhos e desconheço quais as ponderosas razões que nos têm empurrado, para um profundo esquecimento. Quiçá as mesmas razões que nos mergulharão nas amarguras do (já) certíssimo esvaziamento.

O que na realidade consta é que, sem explicação que verdadeiramente eu entenda, a lei ditará que as freguesias com menos de quinhentos habitantes sejam varridas do mapa. Sobre elas atem-se, portanto, a cor vermelha do lápis que as quer abater com uma cruz desertificadora, ao abrigo de duvidosas razões de poupança.

Apesar disso nunca findaram (nem se sabe se findarão) amáveis tiradas em dialécticas proferidas por políticos que, ao invés de outros tempos e de outras vontades (dos reis povoadores, por exemplo) pactuam com a implementação deste pavoroso despovoamento.

Sobressai, portanto, o rigor dos números e a pretensa exactidão das réguas e dos esquadros. Nada que impeça o desequilíbrio baseado em critérios que conduzirão a um novíssimo rosário marcado pelo crescer da desertificação.

Por outro lado, presume-se que, num futuro próximo, quarenta por cento da população portuguesa se fixe na região da Grande Lisboa. Restará, depois, um país desequilibrado, desigual, vergado a razões economicistas (justificadas?) Surgirão áreas nacionais desertificadas, sem deserto. Mas apesar da ausência triste das pessoas nunca o nosso Interior será deserto!

Por aqui, persistirá beleza, embora ríspida e muito própria. Ficarão potencialidades por explorar por falta de imaginação de quem prometeu tê-la, por facilitismo, por omissão, por resignação. Mas não… não haverá lápis que consiga banir o Interior. Apenas se lhe escurecerá a alma, apenas se lhe subtrairá gente, apenas se lhe aumentará o abandono!

Resta-nos a esperança de que um dia mude o punho e mude o lápis. Esperemos, então, que surjam outras vontades, outros desenhos, outros desenhadores e lápis de outras cores. Entretanto o Interior por cá ficará eternamente.

E, juro, nunca faltará quem acredite no impossível!!

«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
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