Deputados do Algarve querem regionalização no centro da Reforma da Organização Territorial

«Começa a ser difícil perceber a paternidade deste documento, já que ninguém a reclama». A frase é de Paulo Sá, deputado comunista eleito pelo Algarve, e, embora dita com ironia, espelha bem o consenso em torno da revisão do modelo territorial entre os deputados dos cinco principais partidos, num debate que decorreu ontem em Faro e onde a necessidade de avançar com a regionalização foi bandeira de quase todos os intervenientes.

A Universidade do Algarve promoveu esta segunda-feira o primeiro seminário do ciclo «Conferências com Futuro». O tema desta primeira sessão foi «A Reforma da Organização Territorial», tendo por base o Documento Verde sobre este tema lançado recentemente pelo Governo, onde, entre outras coisas, é prevista a diminuição drástica do número de Juntas de Freguesia.

A regionalização nem sequer é mencionada na proposta que serviu de base à Mesa Redonda que juntou cinco deputados eleitos pelo círculo do Algarve, cada qual do seu partido, mas isso não impediu que fosse tema central na exposição de quase todos os intervenientes.

Apenas Artur Rêgo, eleito pelo CDS/PP, não defendeu o avanço da regionalização. Mas também não assumiu aquilo que está previsto no Documento Verde. «Este livro não é uma proposta para a reforma do poder local. É um documento de estudo e debate», considerou.

O deputado algarvio do CDS/PP acredita que muito poderá mudar na proposta do Governo e deixa a sua própria sugestão. «Em Portugal já existe uma entidade administrativa intermédia, ainda que só no papel, que são os distritos. Se calhar devíamos aproveitar esta discussão para rever o papel dos municípios e se não lhes podem ser atribuídas efetivas competências», disse o deputado da coligação no Governo, que extinguiu os Governos Civis há poucos meses.

Artur Rêgo também defendeu que o debate em torno da futura organização territorial portuguesa «não é ideológico e político», mas foi precisamente para este campo que os restantes deputados presentes orientaram as suas intervenções.

Cecília Honório, do Bloco de Esquerda, fez mesmo questão de deixar claro que acha que este debate só pode mesmo ser feito a esse nível. «Não me parece que qualquer tecnocrata me possa dizer que esta discussão é higiénica ao nível ideológico e político», argumentou.

No que toca à proposta de revisão do modelo territorial português, a deputada do BE acha «estranho que comece pelo mapa de freguesias», já que o impacto económico destas estruturas no Orçamento de Estado «é reduzidíssimo».

«Tenho medo que esta proposta seja um modo de abandonar o debate urgente sobre a regionalização», disse Cecília Honório. A deputada bloquista «discorda em absoluto» de um modelo que não contemple órgãos eleitos, naquilo que será fulcral, acredita, «para o aprofundamento do poder democrático».

O facto de este debate estar a decorrer no Algarve e de ter como tema a organização territorial acabam por justificar palavras que dificilmente se ouvirá entre os mesmos intervenientes na Assembleia da República. Mendes Bota subscreveu as palavras de Cecília Honório nas críticas à não menção da regionalização no documento, assunto «que é o grande ausente na proposta que está em cima da mesa».

«Num dos eixos são mencionadas as Comunidades Intermunicipais. Temo que se transfiram competências para estas estruturas e que se esteja a enterrar de vez a regionalização. É preciso estar atento», disse Mendes Bota, frisando que a posição que assume é pessoal e que «o PSD não tem posição oficial».

O deputado social-democrata defendeu a mesma posição que tem assumido desde há muito, quando o tema é a regionalização, a de defensor total do avanço deste processo. «Há uma legitimidade democrática no modelo das regiões administrativas que não existe nas Comunidades Intermunicipais. Nenhum autarca, quando se candidata, tem um programa regional. A eleição direta de dirigentes regionais tem de ser salvaguardada», defendeu.

Paulo Sá, que aproveitou o teor das intervenções que precederam a sua para brincar com o consenso em torno da questão da regionalização, lembrou que a criação de regiões administrativas «é um desígnio constitucional». «Estamos abertos a começar esse processo a qualquer momento. Infelizmente, não está na agenda política e será novamente adiada», considerou.

O deputado comunista confrontou a ideia de que este documento era apenas uma base de trabalho, chamando-lhe «uma proposta muito concreta». «Ao analisar o documento, vemos que apenas se pensa em cortar. Eu vejo-o como um ataque ao Poder Local», acusou Paulo Sá.

Miguel Freitas, o último interveniente da Mesa Redonda, até admitiu que a proposta do Governo «teve a virtude de lançar o debate», mas também cometeu «o erro crasso de partir de ideias feitas», ou, como lhes chamou a partir daí, «equívocos».

À cabeça dos equívocos que o deputado do PS considera existir no documento está a «inexistência de um nível intermédio» de governação. «É fundamental avançar para as regiões administrativas. Há que haver um quadro claro de atribuição de competências», disse.

O deputado socialista aproveitou ainda para defender que o intermunicipalismo é igualmente um equívoco e defendeu a reforma que deu origem às comunidades intermunicipais «foi um fiasco, há coisa de cinco anos». Miguel Freitas chamou «perigosa» à ideia de criar duas áreas metropolitanas, que teriam governos eleitos, deixando o resto do país sem regiões administrativas.

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