Limitação de mandatos ?

A autárquica aldrabice
por PEDRO MARQUES LOPES

Recordo-me bem do debate público que antecedeu a aprovação da lei 46/2005, a que estabeleceu limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais.

Lembro-me dos discursos inflamados sobre a necessidade de renovar o pessoal político, das declarações sobre a criação de clientelas que inevitavelmente a permanência no poder por muito tempo acarreta, da inequívoca vontade de obstar a que as cumplicidades e os pequenos-grandes poderes se perpetuassem.

Sou capaz de jurar que ouvi responsáveis políticos a afirmar peremptoriamente que a guerra contra a corrupção passava pela aprovação deste tipo de medidas, que a qualidade da nossa democracia melhorava e que assim estavam a ser postos em prática os grandes valores éticos republicanos.

Mas a falta de vergonha, a confiança na pouca memória dos eleitores e a falta de respeito pelos cidadãos parece não ter limites, e vai daí o PSD e o PS preparam-se para ser cúmplices de uma enorme vigarice: um dado cavalheiro ou senhora não pode candidatar-se uma quarta vez à presidência do município onde esteve doze anos mas pode dar um saltinho para a câmara ao lado e ser de novo candidato às mesmas funções.

Manuel Meirinhos, deputado do PSD, resumiu a questão: "Um presidente que exerceu três mandatos numa determinada câmara não poderá candidatar-se a outra, senão não há limitação de mandatos."

Nada mais evidente. É quase um insulto à inteligência explicar esta fraude à lei e ao seu espírito. Grande renovação do pessoal político, grande tentativa de acabar com o clientelismo, se irá dar quando o presidente da edilidade se passar de armas e bagagens para a câmara contígua...

A rede de funcionários, de construtores, de fornecedores habituais nem precisará de mudar de morada: o novo empregador, o cliente, continuará ali mesmo à mão de semear. Em alguns casos ficará até mais próximo da sua residência habitual.

Tudo o que foi anunciado como propósito para a feitura da lei, todos os argumentos aduzidos sobre a bondade e a necessidade deste tipo de normas soçobram, em razão do interesse das máquinas partidárias que há muito foram aprisionadas por gente que utiliza os partidos para construir gigantescas teias de interesses pouco claros e que desprezam o interesse público e o verdadeiro papel que as organizações partidárias têm de ter numa democracia.

As sanguessugas da democracia necessitam dos empregos que as câmaras e as empresas municipais dão e da influência que estas têm sobre as companhias privadas e demais organizações regionais.

O seu poder baseia-se na capacidade que têm para impor uma determinada pessoa que lhes garante a continuação desse mesmo poder. Esse cidadão, através das benesses distribuídas, terá depois créditos junto da máquina para impor a sua vontade. Criação e criador confundem-se e tornam-se dependentes um do outro.

Da habilidade de satisfazer estes caciques locais depende o poder dos que dominam centralmente os partidos. Quem quer reinar sobre a máquina tem de lhes agradar, quem quer liderar o PS ou o PSD não pode deixar de pactuar com eles. Mas se mesmo depois de terem chegado ao Governo continuam a deixar-se subjugar por eles é já uma opção.

Aparentemente, e pelo escândalo das nomeações, Passos Coelho terá decidido não cortar as amarras que precisou de atar para ser eleito líder do PSD... mas isso é outra história. Não foi em vão que o homem que controla a máquina do PSD, Miguel Relvas, fez um intervalo naquela patética rábula que levou ao palco em Angola para, desde Luanda, defender o que a lei quer evitar, mal o assunto foi aflorado em alguns órgãos de comunicação social.

Só os mais ingénuos se poderão surpreender quando o socialista e líder parlamentar Carlos Zorrinho, sem sequer sorrir, diz que pensa que a filosofia da lei apenas visava impedir mais de três candidaturas a uma câmara. Pois, se calhar andava distraído. Estamos perante uma manobra que visa apenas agradar às máquinas partidárias. Os dois maiores partidos portugueses vão fazer, pura e simplesmente, batota.

Em 2005 deu jeito pôr um ar moralista, rasgar as vestes prometendo mais transparência, renovação e alternância da classe política. Agora, quando é preciso passar à prática, reinterpreta-se a lei.

Pois claro, é fazendo-nos passar por parvos que vamos voltar a confiar nos partidos.

Comentários

Al Cardoso disse…
E sabe que o que se propoem fazer na minha terra, (Fornos de Algodres) como o presidente nao pode concorrer em primeiro lugar da lista, vai em segundo e continua tudo na mesma, como a lesma!!!
Se nada for feito a nível superior nos partidos dominantes (e tudo leva a crer que sim) esta lei da limitação de mandatos será mais uma para ser habilmente contornada e desta forma perpetuar estes pequenos poderes e as suas clientelas. Uma vergonha!
manuel amaro disse…
É uma vergonha.
O Bando de S. Bento, produz pouco e mal. As leis são de uma falta de profissionalismo a toda a prova.
Incompetentes e /ou mal formados, os Deputados da Nação mereciam ser todos impedidos de se recandidatar a novo mandato...
São maus, muito maus, e também não devem ser filhos de boa gente... porque fazem "ISTO" e não se sentem... e quem não se sente...