É esta a grande Reforma Administrativa ?

Reorganização administrativa territorial autárquica.

A proposta de lei 44/XII sobre a reorganização administrativa territorial autárquica foi aprovada na AR com os votos contra do PS, PCP, e BE. Antes de me pronunciar sobre o mérito de tal proposta convém fazer uns considerandos prévios que ajudem a englobar todo o processo.

Assim, no princípio era a Constituição, que prevê desde 1976 no seu artigo 255º, "As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma."

Ou seja, como em qualquer país desenvolvido, o poder local é constituído por 3 níveis, a saber, regiões, autarquias e freguesias, todas integrantes umas das outras, as freguesias integram as autarquias e estas por sua vez integram as regiões.

A questão óbvia que se levanta é que em Portugal, e contrariando a própria Constituição, não existe o nível de topo e que são as regiões, agregadoras de todo o conjunto.

O que esta proposta de lei faz, é começar pela porta dos fundos, sem fazer a necessária regionalização. A questão da reforma administrativa territorial  não deveria começar a casa pelo telhado, mas sim pelas fundações.

Sem regionalização esta reforma deixará quase tudo como está, sem a necessária e urgente descentralização e desconcentração. A discussão devia começar por aí, de uma forma séria e agregadora. Quanto à regionalização a minha opinião aqui.

Outra questão que se levanta é a de que toda a lei eleitoral autárquica se devia também alterar por forma a permitir a agilização de todo o processo e de forma a racionalizar a representatividade regional e local. Resumindo, os dois primeiros passos, essenciais no meu ponto de vista, foram já ignorados, o que não augura nada de bom.

No que à proposta concerne, ela tem tudo para dar errado. Destarte, esta é uma medida da Troika. Mas, esta é uma medida que fala em municípios. Ora, quando se fala em município, falamos dos seus órgãos: câmara municipal e  assembleia municipal. As freguesias apesar de integrarem o município, não são órgãos do município. As freguesias têm os seus próprios órgãos, como sejam a assembleia de freguesia e a junta de freguesia.

Ora, o que o governo faz, é lavar as mãos. Senão vejamos. A extinção/agregação/fusão de municípios, promovidas pelo governo, poria o país num estado de pré PREC. A fuga para a frente, é atirar aos municípios e às suas assembleias municipais a batata quente.

E lavando as mãos "consagra a obrigatoriedade da reorganização administrativa do território das freguesias e regula e incentiva a reorganização administrativa do território dos municípios." Portanto, os elos mais fracos, as freguesias, que podem ser extintas/agregadas pelas câmaras e assembleias municipais são obrigatoriamente reorganizadas. Os municípios, cujo nível superior de organização administrativa é o governo central, já se 'incentiva' a sua reorganização.

Concluindo, nos municípios, que era o que a Troika pretendia, não se mexe. Dá-se a volta ao texto, eliminam-se freguesias, com a responsabilidade a ser atribuída aos órgãos dos diversos municípios e o ónus de tais decisões e propostas. E que melhor forma de 'incentivar' a que alguém faça por nós o trabalho sujo? Pagando claro!

Dispõe o artigo 14.º, n.º 4 da proposta que "os municípios criados por fusão têm tratamento preferencial no acesso a linhas de crédito asseguradas pelo Estado e no apoio a projetos nos domínios do empreendedorismo, da inovação social e da promoção da coesão territorial".

Municípios e freguesias que avancem para processos de fusão e extinção (que só para as freguesias são obrigatórios) beneficiam ainda de um aumento em 15% nos fundos de garantia municipal ou de financiamento das freguesias, conforme o caso.

Quanto aos critérios de extinção de freguesias, temos os concretos, que agrupam os concelhos em três níveis com base na densidade populacional e no número de habitantes e depois outros abstractos e subjectivos como o “índice de desenvolvimento social” de uma freguesia, a par de outros critérios, que a possa fazer erigir a “pólo de atracção das freguesias contíguas”.

E continua no n.º 3  do artigo 3º, "sem prejuízo da consagração de soluções diferenciadas em função de razões de natureza histórica, cultural, social ou outras." Os mesmos princípios podem ter uma ou outra interpretação, conforme o grau de compromisso com o ónus imposto aos órgãos deliberativos autárquicos. Assim como no conceito de 'lugar urbano'.

A proposta assume regras de extinção de freguesias com base nesse princípio, que pode ser derrogado pela assembleia municipal. Os mesmos princípios são e não são. Depende. E os municípios, que não apresentem essa reorganização, porque a isso não são obrigados, a unidade técnica criada com esta lei tratará de submeter à AR uma proposta de extinção de freguesias nesses municípios. Ou não. É que esta unidade técnica, a isso também não é obrigada.

Está-se mesmo a ver, o governo empurra para cá e os municípios empurram para lá. Resultado igual a zero. A demagogia assim o exige. A popularidade a isso obriga. Esta proposta aprovada pela maioria é uma iniquidade legislativa, só para dizer que se tentou fazer alguma coisa.

Este é um tipo de política rasteira  contra as populações e contra os interesses de Portugal. E há muitas freguesias que podiam e deviam ser extintas, assim como municípios, assentes numa regionalização bem feita, repito, feita com seriedade e em benefício de todos.

por  ROGÉRIO AMORIM MOURA
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Comentários

claudio disse…
fantastico texto!!

o conteudo é que infelizmente é uma triste verdade...
Paulo Rocha disse…
Conclui-se, então, que afinal o que temos é uma Não-Reforma!