No entender de um deputado do PS (corroborando a posição de Passos Coelho), «a limitação de mandatos foi feita para que existisse transparência, para que não houvesse ligações, chamadas “menos claras”, chamadas “perigosas” a alguns poderes económicos e, portanto, para que essa teia não existisse foi imposta a limitação territorial (…) Ora, quando se muda de local, quando se muda de colégio eleitoral, todas essas teias não existem. Portanto, seria nitidamente excessivo, quiçá até inconstitucional, proibir que alguém não se pudesse candidatar».
Forja-se, assim, uma premissa ( “mudando de local, acabam as redes de interesses”) para construir uma conclusão falaciosa.
As redes de interesses que tornaram as autarquias sinónimas de corrupção, degradação do meio ambiente, caos urbanístico e desordenamento do território não emergiram apenas de um determinado território autárquico, mas de autênticos polvos com ramificações por todos os lados entre autarcas, partidos, futebóis, construtores civis e outros empresários.
Aqueles que querem institucionalizar os “autarcas-ocupa” deveriam ler a carta de Alexandre Herculano aos eleitores de Sintra. Talvez percebessem que só há municipalismo, quando as necessidades e misérias, recursos e esperanças de uma população são representadas por quem dela faz parte e com ela vive o fervilhar dessas preocupações.
O municipalismo defendido por Alexandre Herculano não só foi abastardado como desapareceu. Hoje, há um ciclo perverso na vida política: os partidos escolhem os autarcas e estes, depois de eleitos, passam (de um modo geral) a ser “donos” dos partidos: lideram os sindicatos de voto dos aparelhos partidários, influenciam decisões políticas, arranjam fundos para as campanhas eleitorais e são as correias de transmissão dos interesses privados na política.
O poder local, após o 25 de Abril, viveu um período de grande prestígio e a imagem de autarca era uma referência de bom político. As populações sentiam-se identificadas com o seu autarca, porque o autarca era filho da Terra, vivia com elas as mesmas preocupações e as mesmas expectativas. Facilmente as mobilizava para resolver problemas que se arrastavam do tempo do fascismo, como os da acessibilidade, educação, saúde, higiene, etc. Hoje, só por excepção, não se associa aos autarcas o esbanjamento dos dinheiros públicos, a degradação do património cultural e natural, o controlismo, a incompetência e a demagogia.
Era urgente devolver aos munícipes a possibilidade de fazerem das autarquias a expressão de um governo local, feito pelos munícipes para os munícipes. Mas a oligarquia que se formou em torno das autarquias (e que está a passar de pais para filhos) é o principal problema de uma reforma administrativa que deveria corresponder aos desafios da transparência e rigor e pôr cobro aos desperdícios de recursos que um ultrapassado mapa de autarquias obriga os contribuintes a sustentar.
Temos de esperar por novos tempos, tempos em que o lobby dos autarcas não domine os partidos!
João Baptista Magalhães - Mestre em Filosofia da Ciência
@grandeportoonline.com
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Comentários
portanto rui, obviamente que ha autarcas e autarcas, mas na grande maioria esta tudo minado pela corrupcao e ma fé!
A intenção do JB Magalhães foi denunciar os autarcas profissionais (+ 12 anos de poder) e as inevitáveis teias de interesses que se movimentam à sua volta e não é pelo facto de trocarem de município que isso desaparece.
Atente-se que há já hoje presidentes em fim de ciclo (limitação dos mandatos) a utilizarem os recursos do seu actual município para fazerem campanha para o outro onde se querem candidatar.