Uma copiosa tomadia dos municípios portugueses
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A Associação Nacional de
Municípios Portugueses e o Governo Português assinaram, na passada semana, um
memorando que visa suportar um Programa de Apoio à Economia Local (PAEL). Numa apreciação meramente técnica, olhamos este acordo e a única frase a dizer é – o Governo afirmou a sua
vontade e os municípios estão a caminho de perderam quase trinta anos de
progressiva autonomia.
Vejamos em que é que
o Governo ganha e os Municípios perdem.
O Governo ganha em seis frentes. A primeira vem logo no último ponto da introdução,
onde é dito que lhe compete “a condução da política geral do país”. Ora, no
universo constitucional pós 1976, é de difícil aceitação a visão exclusiva,
entregue ao Governo, da condução da política das regiões autónomas e das
autarquias locais. Trata-se de uma “curiosa” desgraduação do papel do poder
local, no contexto das políticas públicas.
Num segundo tempo é dito que o
Governo fará aprovar um quadro legal de sanções sobre municípios incumpridores.
Como é sabido, é já hoje possível a determinação de regimes de arresto de
transferências. Qualquer outro regime, que faça renascer a tutela de mérito,
será penoso para as autarquias locais.
O Governo, num terceiro momento,
consagra a não redução de transferências, no âmbito da Lei das Finanças Locais,
em referência a 2012, para o Orçamento para 2013.
Ora, fazia todo sentido que o
PAEL fosse plurianual, indo para além do ano da renovação dos mandatos
autárquicos. Em 2013 não haverá redução de recursos transferidos do OE mas, a
partir de 2013, nada se conhece.
O memorando prevê, num quarto
registo, a alocação de 250 milhões de euros advindos dos Programas Operacionais
Regionais (QREN), aos programas municipais. Porém, limita-os a projetos “Impulso
Jovem” na área do emprego que não são, atualmente, competência municipal, e à
área dos “equipamentos escolares”, reduzindo as obrigações tradicionais do
orçamento nacional.
Estorvando as espectativas, o
Governo insere um capítulo sobre “reforma da administração local”. Porém, este
quinto desiderato, não contempla nem uma palavra sobre o alcance das propostas.
Nem reforma eleitoral, nem reforma orçamental, nem reforma do sistema interno
de governo, nem reforma dos sistemas de auditoria e controlo.
Nem uma palavra que vá para além
das recentes leis de supressão de freguesias e de acomodação das entidades
públicas empresariais municipais.
Um ganhar de tempo no universo
das responsabilidades decorrentes do nosso compromisso com a Comissão Europeia,
o BCE e o FMI.
Por último e num sexto registo, o
Governo atinge, finalmente, o seu objetivo de consignação autorizada das
transferências, de todos os municípios que integrem este programa e que sejam
devedores às empresas do Grupo Águas de Portugal. Está, assim, colocado um
ponto final, na insuportável reincidência municipal.
Olhemos agora para os Municípios. Num primeiro ponto de cedência, todos passaram a vincular-se à Lei dos
Compromissos, sem que o Governo a tenha alterado para a adequar à perspetiva
plurianual dos investimentos e das obrigações municipais. Uma perda expressiva,
que não se resolve com os paliativos técnico-burocráticos previstos no
memorando.
Os municípios cristalizam, numa
segunda imposição, as suas dívidas faturadas, a Março de 2012. Ora, ao não
incluírem a despesa em curso e ainda não faturada, muitos municípios
continuarão a viver com graves dificuldades para poderem cumprir investimentos
caucionados pelos fundos comunitários.
O PAEL ao considerar, numa
terceira imposição, que as receitas do IMI passam a estar consignadas à
consolidação orçamental, a partir de 2013, em especial saldando dívidas ao
Estado, independentemente das circunstâncias e como “ordem” geral, confirma a
negação dos princípios orçamentais de sempre, e uma vinculação, que pode ser
ilegítima, da receita municipal.
Os municípios vêm reprogramados,
numa quarta obrigação, os fundos comunitários. Aparentemente seria uma boa
novidade o incremento da taxa de comparticipação para 85%. Acontece que, ao não
se permitir que este PAEL possa suportar as comparticipações nacionais, muitos
dos municípios aderentes continuarão sem os 15% de componente nacional
necessários à aprovação dos projetos.
Numa quinta regra, os municípios
que adiram a este programa perdem toda a sua autonomia no que se refere às
candidaturas ao QREN, passando a carecer, cada uma, de um fundamento e
validação pela administração central.
Por último, num sexto fio de
deveres, os municípios aceitam um aumento forçado para todos os impostos e
taxas. Uma deformidade que não tem em conta a economia de cada território. E
admitem uma linha de crédito no valor de mil milhões de euros a uma taxa de
juro correspondente à aplicada à República Portuguesa, acrescida de 15 pontos
base. Porém, nada se diz sobre a atualização da taxa de juro ao enquadramento
macroeconómico.
Cerca de dois terços dos
municípios portugueses apresenta desequilíbrios preocupantes sob o ponto de
vista da gestão, fruto de opções erradas ou de ausência de estratégia. Será por
isso que as obrigações de “contração”, por parte da administração local, são
comummente aceites.
Aqui fica uma visão sobre os
ganhos e as perdas mais significativos. Estamos perante um acordo que repondera
as regras de jogo. Talvez importe tê-lo em conta para o futuro. Os municípios
portugueses nunca mais serão os mesmos.
® 2012.06.06 – ALSS
Comentários
Genericamente até estou de acordo consigo. Todavia, a questão que aqui se coloca é, em abstrato, a da perda de autonomia do Poder Local.
As questões que, muito bem coloca, devia ser resolvida pelas populações quando vão a votos e, pelos vistos, vão continuamente validando estas coisas. Mas é este o povo que temos..!
Cumprimentos,