Um país sem país



O encerramento das mais de cinco dezenas de tribunais é uma errada decisão. Errada, porque não tem, na base, critérios políticos sustentáveis e legíveis; Errada, porque não se suporta numa visão integral do território; Errada, porque nem sequer tem uma análise de benchmarking que a possa suportar. Ela, a proposta, é um cumulado de critérios, muito discutíveis, que não deixarão ninguém satisfeito.

Mas esta proposta insere-se nos acordos que Portugal assumiu junto da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, para a alteração das condicionalidades económicas? Não, de todo. O que diz o memorando é – “Acelerar a aplicação do Novo Mapa Judiciário criando 39 comarcas, com apoio de gestão adicional para cada unidade, integralmente financiado através das poupanças nas despesas e em ganhos de eficiência” e mais “Desenvolver um plano de gestão de recursos humanos que permita a especialização judicial e a mobilidade de funcionários judiciais.”

Então, não existindo qualquer obrigação de encerramento de tribunais em zonas deprimidas, o que leva o ministério a propor tal golpe? Uma simples manobra de diversão, que não resolvendo qualquer problema, dá a ideia, à troika, de alguma coisa se fez.

Nas últimas décadas assistimos a uma progressiva saída das populações dos interiores para alguns litorais ou para outros países. O investimento realizado nos territórios deprimidos, em acessibilidades, em educação, em saúde, em apoio social, não foi acompanhado de uma política de fomento económico, que gerasse emprego e fixasse as populações. Por isso, temos hoje concelhos com excelente qualidade de vida, mas onde não haverá, dentro de anos, pessoas.

Perante este cenário, o que importa é uma análise sobre a nossa rede autárquica de âmbito municipal, muito mais do que uma aparente reorganização, com eliminação, nas estruturas de base.

Temos, para nós, que a existência de um município, olhando as realidades políticas e sociais que ao longo de séculos estiveram associadas à presença de cada comunidade, não se pode limitar à comparência de uma edilidade sufragada, com atribuições, competências e recursos próprios. Ao criar-se, ou manter-se, um município, estamos a outorgar o direito, a essa comunidade, de receber, das mãos do Estado, um conjunto de serviços, uma presença mínima que ligue essa população ao seu país.

Durante séculos, as questões da soberania foram limitadas aos assuntos externos, à defesa, à justiça e à segurança. Com o advento do Estado Social, a partir dos finais do século XIX, o conceito de soberania foi-se alargando aos direitos à educação, à saúde, ao apoio social. Esse conjunto de consagrações deve, pois, estar presente no território, numa articulação entre os diversos níveis de poder e nas formas mais adequadas. Por isso, um município não pode ser só o contentor de órgãos autárquicos.

O que deve, então, preencher, em termos de serviços e de presença do Estado, cada espaço territorial municipal? Para além da sua edilidade, não pode deixar de conter a presença de forças de segurança, de estruturas de administração da justiça (incluindo conservatórias), de entidades que promovam a educação, que facultem a prestação de cuidados fundamentais de saúde e que assumam o apoio social à realidade populacional existente. Teríamos, assim, estruturas locais base dos ministérios que tutelam as polícias, a justiça, a educação, a saúde e a segurança social.

Nesta ponderação haverá quem nos diga que, já hoje, alguns municípios não têm tribunais. Essa discussão esteve presente aquando da reforma de 1895, onde a querela se fez, também, em torno da existência de concelhos sem “tribunal”. O facto de termos, hoje, municípios sem Domus Iustitiae, não nos habilita à negação do argumentado.

Como fazer, então, para cumprir o acordado com a Troika? Intervir onde há problemas e não onde não os há. A redução do número de processos, a sua cabal gestão e útil decisão, a consensualização dos “códigos”, não se resolvem com o encerramento de meia centena de tribunais. E se se quer olhar o território, de forma inteligente, lance-se um grande processo sobre a estruturação das administrações, que tipifique municípios, que determine, de vez, o mapa. Há um tempo para fazer o processo, a partir de Outubro de 2013. Aproveite-se e faça-se. Mas até lá, mantenham-se estes tribunais.  

 ® 2012.06.19 – ALSS   

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