A Economia Maravilhosa de Trás-os-Montes

Paulo Reis Mourão
(Professor do Departamento de Economia da Universidade do Minho)
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Na década de 1960, Vila Real era a segunda cidade do distrito em termos de concentração populacional. Cinquenta anos depois, a cidade ficou a capital de distrito em todas as dimensões económicas (inclusive a demográfica). Para isso contribuíram dois grandes factores: um muito forte no início mas estagnado atualmente (a dinâmica do Ensino Superior localizado no concelho) e outro cada vez mais acentuado (o despovoamento da região transmontana no seu todo, que tem também promovido uma concentração nas principais freguesias da região, a que eu chamo de ‘siberização’).

Costumo elucidar este segundo factor com um exemplo: por cada 10 transmontanos que saem de uma freguesia rural de um concelho transmontano, 4 emigram, 3 litoralizam-se, 2 vêm para as freguesias urbanas das cidades da região e 1 desloca-se para a freguesia central do concelho de origem. Conclusão, a região perdeu 7 transmontanos mas no fim houve uma concentração nas cidades e vilas da região, que têm aumentado a sua densidade desde 1981.

O comércio e a indústria local têm-se ressentido da crise. É notório! O período que vivemos, desde 2007, trouxe o encerramento de muitos negócios (de pequena e média dimensão) na região, tanto no espaço urbano como no rural. E as unidades produtivas de grande dimensão (por exemplo, o que restava do esforço cooperativo vitivinícola) estão a ser significativamente reestruturadas.

Mas podemos potenciar a produtividade e a competitividade da economia local. Como? Com “honestidade”! O discurso romântico de megalomanias de há vinte anos (parques industriais, por exemplo) deve dar lugar ao discurso do ‘melhor possível’. Para quê tantos parques industriais sem indústria e que mais não são do que um depósito municipal? Para quê um investimento em novas estruturas quando o mais adequado seria uma melhoria significativa da estrutura existente?
Para quê prometer um “Douro de Massas” quando os operadores e os agentes só comportam um “Douro” sustentável na proximidade?
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Outro fator importante é de realocação das parcerias estratégicas – o mercado de proximidade com Castela-e-Leão está subaproveitado, Bragança está mais perto de Madrid do que de Lisboa em distância efetiva (tempo por unidade de custo) e a potência de uma marca urbana forte na região do Interior está ainda muito longe de ser alcançada.

Mas o crescimento não pode ser só por via da entrada de turismo. Faltam hoje os ‘garotos da Bila’ de há 50 anos – quadros superiores que se formavam e apostavam e ficavam na terra ou investidores que com património herdado ou construído promoviam grupos económicos de dimensão regional. Onde está esse Investimento?

Finalmente, as despesas de consumo podem gerar crescimento económico se houver realocação no sistema. Mas o grosso das despesas de consumo escoam para outros centros, não ficam nos shoppings da região nem nas lojas de ‘franchising’.

Muitos diriam que a agricultura deve alavancar a estratégia da nossa região. Eu não. A agricultura atingiu em Trás-os-Montes três dimensões estáveis. A dimensão da sobrevivência que atinge grupos residuais de agentes mais idosos.

A outra dimensão é a dimensão do ócio, animada por diversas pessoas (residentes e não residentes) que, sem uma perspetiva lucrativa, injectam dinheiro na agricultura para manterem pomares, pinhais, matas e vinhas, pagando o mínimo indispensável para cumprirem com o sentido de propriedade e usufruto.

Finalmente, a dimensão produtiva por excelência que se tem mantido na última década estável, quer ligada aos produtos DOC quer ligada aos produtos mais convencionais, do vinho ao fumeiro, por exemplo. Agora, precisamos de uma indústria redescoberta e de serviços sustentáveis. E não precisamos de Unidades de Missão, Ligas, Associações, lobbies ou grémios infrutíferos.

Portanto, o que falta na nossa estratégia regional de crescimento? Em primeiro lugar, amor à terra. Quem gosta, demonstra-o. Economicamente, investe-se no local de que se gosta, mantemos as coisas herdadas, mostramos o lado bom do que temos, do que fazemos e do que acreditamos.

Em segundo lugar, um pouco por toda a região, falta uma resposta à situação de ‘orfandade’ que a redução do investimento público está a deixar por todo o lado – quem dá trabalho ao empregado camarário cujo contrato não foi renovado? Quem emprega o casal que trabalhava para a Câmara? Quem lhe dá uma alternativa ao Subsídio de Desemprego?

Em terceiro lugar, falta o aplauso a tantas iniciativas positivas que tantas pessoas, um pouco por toda a região, assumem diariamente e que raramente vêm nos jornais – a loja que abriu na esquina, o comércio que foi novamente apostado por alguém numa rua central, os bordados de uma senhora que encontramos no centro de uma vila, o artesanato que abunda com tanta qualidade em tantas mostras locais.

Em quarto lugar, falta dar espaço à Economia Social que pouco a pouco cresce com resultados positivos na região – o apoio domiciliário, o apoio à terceira idade, o microcrédito e a economia de vizinhança. Finalmente, falta mostrarmos a força telúrica que milenarmente caracterizou os povos desta terra, habituados a bastarem-se para comungarem com a vida.

Numa visita que fiz há meses a Croácia, quis conhecer locais fora de Zagreb ou de Dubrovnik e conheci pequenas aldeias e vilas a recuperarem de uma guerra civil e numa economia de transição. Aí, conheci pessoas muito contentes e felizes que não encenavam o seu acolhimento. E porquê, perguntei-lhes. Responderam-me porque acreditavam que tinham tudo à volta para serem felizes. Também acho que quem vive nestes vales, nestas serras e com estas pessoas, tem tudo para poder ser feliz.
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