FREGUESIAS E FREGUESES

O freguês e a lista de fiado

(…)

Mas o que me traz aqui a este texto, a este local que vos convido através das palavras, é que também era possível, segundo os relatos das pessoas mais idosas, circunscrever um itinerário próprio do freguês – é aquele que por natureza, desenvolve relações de proximidade com os agentes locais, que é conhecido simultaneamente pelo sr. Pereira do café e pela dona Aninhas do mercadinho, que por seu turno é conhecido dos vizinhos.

Ou seja, um freguês era aquele que vivia, claro está, numa freguesia, cuja sede de tal vivência quotidiana eram as juntas de freguesia.

E, tais juntas, ao serem criadas, tiveram como intento principal permitir um aprofundamento das relações locais, promovendo um maior envolvimento comunitário dos cidadãos/fregueses, garantindo desta forma a acessibilidade de todos à Escola, à Cultura, à Saúde, à Justiça.

A junção das freguesias a que se assistimos constitui uma tentativa de subordinação da componente antropológica de cada freguesia à componente economicista dos nossos tempos, porque não bastante garantir o funcionamento de umas juntas através da junção com outras.

Muitas das nossas freguesias (e dos nossos fregueses) construíram uma identidade forjada nas relações locais e, tais relações, contribuem para a edificação da identidade cultural de cada comunidade.

Tais freguesias foram também criadas porque o envolvimento político dos cidadãos deve começar exatamente aí – porque os problemas que o café do sr. Pereira atravessa de falta de fregueses (pelas razões que tentei descrever brevemente acima) é um problema à escala local, da freguesia, apesar de possuir certamente uma génese ao nível do Poder Central.

Porque quando, enquanto fregueses vamos à junta de freguesia e nos queixamos de determinada situação, estamos naquele preciso momento a fazer política.

Cortar nas freguesias é cortar nesta capacidade de qualquer um de nós fazer política e de se sentir representado no órgão democrático mais próximo das populações.

Em alturas de crise, o Poder Local deveria ser cada vez mais reforçado porque, mesmo seguindo a lógica das “Políticas de Cortes nas Gorduras” que nos querem vender a troco nomeadamente da viabilidade do pagamento dos salários e das pensões, tal corte nas freguesias traduz-se em apenas 0,1% do Orçamento Geral do Estado.

A ser verdade, não posso entender senão que tais cortes sirvam apenas para alhear cada vez mais as populações idosas da vida pública e para desmantelar decisivamente o poder de participação cívica e democrática dos cidadãos.

Ainda bem que já não existem as folhas onde se anotavam os fiados porque talvez este Governo tivesse a maior lista de história da nossa democracia, a julgar pelas dívidas que tem deixado ao nosso Povo. Mas desta lista de fiado, desta dívida, o Governo parece nunca querer falar.

porto24

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