Sem avião e sem túnel.
De tantas vezes se falar no abandono a que o interior do território em Portugal tem vindo a ser deitado, já nem apetece dele falar por mais parecer chuva a cair no molhado. No entanto, há coisas que vão muito para além das marcas e que são suficientemente graves para fazerem remexer-se as entranhas bem cá dentro de cada um que delas é vítima.
No que nos toca a nós, aos
cidadãos de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Beira que lhe é próxima, então nem
se fala. Não há semana nenhuma, a modos de dizer, que não venha à tona, mais
uma evidência da pouca importância que nos dão e da nenhuma atenção que nos
prestam.
Bem dizem lá pela capital alguns
senhores importantes, que também eles por aqui se criaram, enquanto juram até
amor eterno e muito apego ao rincão natal, mas tudo não passa de conversa para
enganar tolos. Têm outras preocupações.
Claro que a culpa do desleixo a
que nos botam também é nossa, para não dizer que disso nos cabe a maior parte.
Diz-nos o senso comum, que conforme nos apresentamos, assim nos respeitam, e
que não há atenção que se dê, a quem a não souber exigir.
Convenhamos neste contexto, que
nem sempre ou quase nunca, pela nossa parte as posturas foram ou são as mais
convenientes e as mais indicadas. Não é que nos falte a noção de que assim é. O
que nos minga, é a vontade para a acção e a força para a união, que sempre
advêm da existência de elites e de líderes carismáticos.
Mas antes que me perca em
considerandos, sem que aluda ao que realmente quero aflorar a propósito e como
exemplo do pouco que nos ligam, chamo a terreiro o caso da construção do túnel
rodoviário do Marão, cujas obras pararam vai para ano e meio, e mais o caso da
ligação área entre Bragança e Lisboa, com escala em Vila Real.
Na serra do Marão, a tal que não
dá palha nem grão, mas nos marca a identidade, gastaram-se 300 milhões de euros
para abrir o enorme buraco que hoje lá está, mas parou-se a obra sem que se
atine com data para o seu reinício. Daqui a pouco o resto da auto-estrada vai
estar pronto, mas para passarmos a serra, teremos de ir á volta que está a
cadela parida. A porca torceu o rabo, porque o consórcio construtor quer mais
dinheiro do Estado, mas este não está para aí virado.
No caso do avião que nos leva ou
levava a Lisboa num instante na ida e na volta e por preços acessíveis, existem
sérios riscos de o “pássaro de ferro”, não mais sobrevoar as nossas paisagens.
Para o colocar nos céus, o governo da Nação tem de comparticipar no esforço,
mas não está pelos ajustes, tocado que anda pela obsessão da poupança.
Num e noutro caso, uma vez mais,
faz-se o mais fácil, que é não dar a quem não consegue exigir e retirar a quem
se baixa. Na contabilidade de mercearia feita no Terreiro do Paço, onde nem se
lembram que somos iguais nas questões de cidadania e merecedores da
solidariedade nacional, mais não seja por questões de equilíbrio territorial,
acabam-nos com o pouco que temos e não nos dão o que precisamos, porque somente
olham para as colunas dos ganhos e dos gastos financeiramente imediatos.
Sabem da nossa debilidade
endémica, têm-nos como uns pobres coitados, digo eu, e fecham a gaveta.
Obviamente que os dias são de forte contenção, mas fosse isto em outras bandas,
e logo se veria como se arranjariam uns trocos para continuar a furar o Marão e
para por a avioneta a voar naquele voo que é um primor de beleza e de
necessidade.
Assim, como é por cá, depois das linhas
férreas onde já não apitam os comboios, fazem-nos ir por terra e por maus
caminhos, que é para aprendermos a não sair de casa. É capaz de ser bem feito.
@DT
Comentários