"Estados usam crise para centralizar ainda mais". Pode
parecer um lugar-comum, mas a afirmação ganha peso quando o seu autor é Marek
Wozniak, presidente da Comissão de Política de Coesão Territorial (COTER), que
esteve esta semana no Porto num seminário europeu.
A inversão desta deriva, particularmente feroz em Portugal, é uma
emergência nacional, sob pena das assimetrias regionais assumirem proporções
intoleráveis, pelo que retomo um conceito que propus há algum tempo neste mesmo
jornal: a "regionalização oficiosa".
O argumentário dos defensores da regionalização é bem conhecido e
assenta essencialmente na ideia de que possibilita uma mais racional,
responsável e eficaz alocação dos recursos das regiões em benefício das suas
próprias populações. Bastaria uma mera análise empírica da organização dos
diferentes estados europeus e da sua performance para concluir que a
regionalização é condição necessária para a coesão. Do lado oposto, os que não
se reveem neste modelo invocam o risco de balcanização e o acréscimo de custos
resultante da instalação de novas estruturas de poder e, eventualmente, de
novas clientelas.
Acredito que quer os defensores quer os detratores serão capazes
de reconhecer argumentos válidos no discurso dos respetivos oponentes, pelo que
me recuso a aceitar que não exista um caminho de compromisso. Na
impossibilidade atual do processo formal, proponho a regionalização oficiosa,
assente num conjunto de compromissos e procedimentos que aproximam regiões e
governo central. É minha convicção que esta é a etapa intermédia que permitirá
atenuar o centralismo, mas também recuperar a confiança necessária para um
momento de formalização mais ambicioso, mas também mais seguro, dentro de um
prazo equivalente a uma legislatura.
A regionalização oficiosa é um processo que não gera despesa, que
assenta nas estruturas existentes, mas que convoca o governo central e os
municípios para um exigente exercício de compromisso. Desde logo, preconizo a
manutenção das atuais cinco regiões de planeamento: Norte, Centro, Lisboa,
Alentejo e Algarve, lideradas pelos presidentes das CCDR. Aparentemente nada de
novo, mas aqui surgem as propostas disruptivas.
Em primeiro lugar, a escolha do líder da CCDR. Para que represente
a região deveria resultar da deliberação de um colégio alargado, constituído
pelos presidentes das assembleias municipais. Não tem o valor do sufrágio
direto e universal, mas convenhamos que é um grande avanço relativamente ao
processo atual. Este presidente escolheria um elenco de três vice-presidentes,
dedicados às pastas da Economia, do Território e da Sociedade.
Em segundo lugar, os cinco presidentes das CCDR passariam a ter
assento, sem direito a voto, no Conselho de Ministros. Estará o governo central
na disposição de aceitar que nas suas reuniões, onde se debatem as opções, as
políticas e as estratégias para o país, esteja também presente o ponto de vista
das realidades e das aspirações regionais?
Em terceiro lugar, proponho o redimensionamento dos atuais
conselhos regionais e o reforço das suas competências. Um número de
conselheiros entre 30 e 40 e uma evolução do caráter meramente consultivo para
algum nível de vinculação confeririam a este órgão um papel orientador e
moderador da ação da presidência da CCDR.
Por último, os recursos. A forma de reforçar as competências das
CCDR e de as dotar de recursos financeiros para a agenda de desenvolvimento
regional passa necessariamente pelos fundos de coesão. Isto significa a
elevação do grau de comprometimento do governo central em relação aos programas
operacionais regionais, aumentando-lhes o envelope financeiro e a autonomia de
gestão.
Parecerá pouco para os regionalistas e muito para os centralistas.
Talvez por isso este seja o momento de uns e outros arriscarem. A simples
aceitação de uma declinação do conceito de regionalização seria, só por si, um
ato de coesão.
@ JN
Comentários