Território e subsidiaridade
O folhetim da reforma administrativa local continua a fazer o seu
caminho, num percurso que parece alheio a qualquer consenso. Do presidente da
República aos presidentes das câmaras e das juntas de freguesia, muitos são
aqueles que suspeitam da sua conformidade à Constituição. A estas dúvidas, eu
acrescento uma certeza: a reforma viola flagrantemente o princípio da
subsidiariedade.
O decreto da Assembleia da República 132/XII, que aprova o
estatuto das entidades intermunicipais e estabelece o respetivo regime jurídico
da transferência de competências, foi aprovado com os votos favoráveis da
maioria PSD-CDS e os votos contra de todos os partidos da oposição.
Esta semana, o PR requereu ao Tribunal Constitucional a
fiscalização preventiva de algumas normas desta lei. Levantam-se duas grandes
questões, a começar por uma certa equiparação das comunidades intermunicipais
(CIM) às autarquias locais, apesar de não estarem previstas na Constituição e
do respetivo órgão dirigente não ser eleito por sufrágio direto, universal e
secreto. A segunda questão é a possibilidade do Governo delegar nas CIM
competências que não estão ainda previstas, criando assim um "cheque em
branco" que pode ser usado em prejuízo do poder local legitimado pelo
voto.
O simples facto de uma reforma com esta profundidade, que parece
não agradar a quase ninguém para além do Governo, ser aprovada por uma maioria
parlamentar simples é para mim chocante. Assim havia já acontecido com a
reforma do mapa das freguesias. São as regras constitucionais, bem sei, mas sou
apologista de que nestes casos o caminho deveria passar pela procura de
consensos mais alargados expressos em maiorias reforçadas.
O racional que parece estar subjacente à reforma da administração
local assenta na redução de custos e na procura de escala. Vale a pena olhar
para estes dois tópicos.
Tenho uma grande dificuldade em acompanhar um Governo que,
imediatamente após a sua entrada em funções, extinguiu - e bem - os governos
civis, acabando portanto com 18 cargos de governador, e que agora vem criar
umas dezenas de novos cargos remunerados, a que acrescerão os serviços de apoio
das CIM e das áreas metropolitanas. Não vejo que haja aqui poupanças. Vejo,
isso sim, uma nova galeria para a colocação de autarcas reformados.
Mas o grande equívoco está na procura de escala, argumento
utilizado para fundir freguesias e, agora, para criar as ditas comunidades de
municípios. A escala, que para este efeito significa massa crítica e dimensão
geográfica, é um conceito indissociável da natureza e função do objeto em
causa. Colocado de forma simples, há uma escala certa para cada função.
Dito isto, defendo que Portugal precisa de regiões e não de CIM.
Porque, à imagem do que acontece por essa Europa fora, os espaços de
planeamento e estratégia territorial são as regiões, justamente aquelas que têm
a escala adequada para o efeito. E defendo também que o Portugal de baixa
densidade, que representa uma extensão muito grande do país, precisa de
freguesias e não de megafreguesias, justamente porque só as primeiras garantem
a escala de proximidade que se exige aos serviços que prestam.
No caso das CIM, o novo mapa veio ainda cristalizar desequilíbrios
de escala que invalidam qualquer exercício de planeamento equilibrado das
regiões. Só alguém que desconhece por completo o território pode conceber a
separação das sub-regiões do Cávado e do Ave, apenas para referir um exemplo no
Norte.
Como resultado destes desajustes e
atropelos, importantes funções da administração territorial não poderão ser
desempenhadas por entidades de nível e escala apropriados, violando um dos
princípios basilares da organização do Estado, o da subsidiariedade, aliás
consagrado no artigo 6.º da Constituição. O mesmo princípio da subsidiariedade
que tantas vezes os políticos repetem de forma ligeira, mas que, na prática,
ostensivamente ignoram.
@ JN
@ JN
Comentários
O princípio da subsidiaridade em termos sociais, políticos e administrativos tem a sua origem na doutrina social da igreja e diz-nos que as tarefas, actividades ou soluções de problemas deveriam ser levados a cabo pela menor entidade (social, política ou administrativa) existente numa determinada organização. Somente em caso de limitações fortes destas é que as entidades imediatamente superiores dessa organização deveriam ser chamadas a apoiar ou assumir.
Obrigado