Em dez anos, a Beira Interior perdeu 31 mil habitantes, o equivalente a uma cidade média.
Estes são os rostos de quem ficou Rosa morreu na véspera da inauguração da auto-estrada e nunca mais ninguém se lembrou dela - tristes os que morrem na véspera da chegada do progresso. Os filhos em França, a panela de ferro ao lume, o avental preto meio sujo, os cabelos brancos a espreitar debaixo do lenço, a telefonia ligada. Rosa morreu num dia assim.
À hora do enterro no cemitério da aldeia, a comitiva de secretários de Estado chegava à cidade. Ajeitaram-se as gravatas enrugadas da viagem, discursou-se sobre as assimetrias entre o Interior e o Litoral - Rosa morreu sem nunca ter visto o mar -, houve bandas e fanfarras, vénias e continências, comes e bebes e garantias de que agora, com a estrada a direito é que o desenvolvimento ia chegar.
Quando a festa acabou, já Rosa estava a dormir debaixo da terra e os outros velhos da aldeia em casa, conformados, a contar pelos dedos os que ainda sobram. Num tempo que já não volta, chegaram a ser mais de 400. Agora não chegam a 40 e as ruas são cadáveres de pedra.
A auto-estrada, essa ruga gigante que quase cortou a aldeia ao meio e prometia resolver todos os problemas, só serviu para levar gente embora. Não trouxe ninguém e, no dia em que passou a ser paga, os que foram deixaram de voltar. Já não há crianças e a escola fechou. O forno são ruínas e os castanheiros morreram de pé. Já não há recolha de leite e o merceeiro não passa. Não há quem semeie, quem ceife, quem colha ou quem compre o que se colheu. Não há panelas de ferro nem viúvas de preto.
Os filhos envelhecem na França, dizem que não voltam e os que voltaram são tão tristes como as casas de granito vazias. Os filhos dos filhos foram-se embora. A Junta deixou de ser Junta e agora é outra coisa qualquer, noutro lugar. O posto público da PT fechou porque o dono morreu.
Sobram os velhos, pedaços de rugas à lareira, à espera que a morte os leve como levou a Rosa. Que ao menos na lápide haja um poema de Torga.
"Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa."
Rosa Ramos
Estes são os rostos de quem ficou Rosa morreu na véspera da inauguração da auto-estrada e nunca mais ninguém se lembrou dela - tristes os que morrem na véspera da chegada do progresso. Os filhos em França, a panela de ferro ao lume, o avental preto meio sujo, os cabelos brancos a espreitar debaixo do lenço, a telefonia ligada. Rosa morreu num dia assim.
À hora do enterro no cemitério da aldeia, a comitiva de secretários de Estado chegava à cidade. Ajeitaram-se as gravatas enrugadas da viagem, discursou-se sobre as assimetrias entre o Interior e o Litoral - Rosa morreu sem nunca ter visto o mar -, houve bandas e fanfarras, vénias e continências, comes e bebes e garantias de que agora, com a estrada a direito é que o desenvolvimento ia chegar.
Quando a festa acabou, já Rosa estava a dormir debaixo da terra e os outros velhos da aldeia em casa, conformados, a contar pelos dedos os que ainda sobram. Num tempo que já não volta, chegaram a ser mais de 400. Agora não chegam a 40 e as ruas são cadáveres de pedra.
A auto-estrada, essa ruga gigante que quase cortou a aldeia ao meio e prometia resolver todos os problemas, só serviu para levar gente embora. Não trouxe ninguém e, no dia em que passou a ser paga, os que foram deixaram de voltar. Já não há crianças e a escola fechou. O forno são ruínas e os castanheiros morreram de pé. Já não há recolha de leite e o merceeiro não passa. Não há quem semeie, quem ceife, quem colha ou quem compre o que se colheu. Não há panelas de ferro nem viúvas de preto.
Os filhos envelhecem na França, dizem que não voltam e os que voltaram são tão tristes como as casas de granito vazias. Os filhos dos filhos foram-se embora. A Junta deixou de ser Junta e agora é outra coisa qualquer, noutro lugar. O posto público da PT fechou porque o dono morreu.
Sobram os velhos, pedaços de rugas à lareira, à espera que a morte os leve como levou a Rosa. Que ao menos na lápide haja um poema de Torga.
"Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa."
Rosa Ramos
Comentários
Um dos objectivos deste 'blog' sobre a Regionalização é divulgar toda a informação publicada que, de alguma maneira, esteja relacionada com esta problemática.
Fazemos, sempre questão de identificar todos os autores ou publicações e colocar o respectivo 'link'.
Cumprimentos