Ainda os fundos estruturais

O debate sobre a aplicação dos fundos comunitários que compõem o próximo Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) continua aceso. E ainda bem. Ao longo desta semana foram vários os desenvolvimentos a que assistimos, com o Governo a prestar novos esclarecimentos e muitos outros autarcas a juntarem a voz aos que tinham já demonstrado a sua resistência a serem tratados como meros espectadores. Acresce que também alguns leitores me fizeram chegar os seus comentários ao que escrevi, o que justifica uma nova abordagem do tema.

Tudo visto e ponderado, o que se passou até aqui permite tirar duas conclusões - o Governo apresentou a sua proposta em Bruxelas sem dialogar com os principais parceiros; e a grande contestação a que temos assistido tem origem nos autarcas e instituições da Região Norte.

Quanto à primeira conclusão. Em tempos de grande aperto financeiro, de tenaz controlo do défice orçamental e de apertada vigilância sobre o aumento da dívida pública por parte dos credores, cerca de 25 mil milhões de euros de ajudas ao desenvolvimento do país são uma enorme tentação para o Governo. Poder pôr e dispor da sua aplicação com o calendário eleitoral que temos pela frente, parece ter-se tornado o primeiro grande objetivo.

Quando até hoje e previsivelmente nos próximos tempos a única expectativa é que o Governo continue a distribuir cortes no rendimento das famílias, colhendo impopularidade, poder distribuir apoios financeiros e aparecer com a imagem de um Governo que puxa pelo país, é tentador.

As clientelas estão ávidas de favores depois de todo este longo período de jejum que a austeridade e as políticas recessivas impuseram. Só que ou o Governo consegue mobilizar os parceiros indispensáveis à boa execução dos recursos postos à disposição - as entidades intermunicipais e as autarquias, as associações empresariais, as universidades - ou não atingirá os objetivos acordados.

Independentemente desta avidez centralizadora, há que reconhecer como positiva a aposta na valorização das pequenas e médias empresas, com um substancial envelope financeiro e a orientação para a celebração de contratos de desempenho. Já a afirmação de que "a grande maioria dos apoios vão ser reembolsáveis para obrigar as empresas a interiorizar as vantagens e benefícios desse financiamento" deixa as maiores apreensões.

Esta orientação equivale a limitar a atribuição de verbas a fundo perdido numa altura em que as PME têm as maiores dificuldades em se financiarem e passam por grandes dificuldades. O que pode acontecer é que muitas candidaturas venham a ficar pelo caminho.

Percebe-se o que se quer evitar. Poiares Maduro tem por certo bem presente o lançamento em 2004, pelo secretário de Estado Miguel Relvas, de um projeto para formação de técnicos camarários para aeródromos municipais, preparado com a Tecnoforma que se disse estar ligada a Passos Coelho e destinado a formar 300 a 500 técnicos municipais quando apenas existiam sete pistas de aviação e parte delas estavam fechadas. Um escândalo. Se o que se quer evitar é que situações destas se repitam, o ministro só pode merecer o nosso apoio. Uma maior exigência e autonomia por parte das comissões de gestão e de acompanhamento poderá limitar abusos sem comprometer a desejada eficácia no apoio às PME.

Quanto à segunda conclusão, sobre os alertas lançados a partir do Norte. Não surpreende. As preocupações são mais que muitas, baseadas no que foi o histórico da utilização dos apoios dos anteriores quadros comunitários de apoio. Desta vez, porém, é justo afirmar que o volume financeiro destinado à Região Norte é muito considerável e representa um reforço muito significativo face ao anterior quadro.

Não será por aqui que o Norte tem razão de queixa. A verdade, contudo, é que já em situações anteriores se constatou que, no momento de fazer a avaliação final e apresentar contas, vai uma longa distância entre os meios inicialmente propostos para a Região e os efetivamente disponibilizados. Não por falta de capacidade de realização, mas por desvio de meios da Região Norte, hoje a mais deprimida de Portugal, para regiões fora do objetivo primordial da convergência, nomeadamente a Região de Lisboa. O efeito spill over (efeito difusor) de que tem falado o presidente da CCDR Norte tem sido, precisamente, um dos artifícios destes desvios.

Nestas circunstâncias, pode o Norte deixar-se ficar à margem das decisões que envolvem o seu futuro, mesmo que digam que vai tudo bem? É evidente que não. Deve falar tão alto quanto puder. Como muito bem diz o nosso povo, gato escaldado de água fria tem medo.

@JN

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