Porto: Regulem, mas não estraguem a “mobida”



Texto de António Barroso


A “mobida” do Porto é um facto. Existe. Está firme e ajuda mais a cidade do que alguma vez a cidade a ajudou. Está na hora de ser ajudada, como se fosse um adolescente cheio de saúde, mas com poucas regras.

A noite está para o “novo” Porto como o ovo para a galinha: ninguém sabe quem apareceu primeiro. E, com turistas ou sem eles, a verdade é que há uma economia emergente na Baixa. Há emprego ou trabalho – optem pela ideologia que melhor vos servir, mas não me estraguem a ideia da prosa –, há restauração, há hotelaria e não falta onde beber, conviver e dançar, apesar dos 23 por cento do IVA.

Já havia turistas nas caves do Vinho do Porto, já havia património mundial com selo da UNESCO, já havia FC Porto, já havia tripas e história de Portugal, mas o “boom” noctívago começou, com muita coincidência, à saída da primeira década deste século, graças à estratégia da companhia aérea irlandesa Ryanair e à credibilidade em crescendo da Universidade do Porto.

Ao contrário das estratégias de marketing, que estão para o desenvolvimento sustentável como a maquilhagem está para o embelezamento pessoal, o amadurecimento da noitada portuense tem um encanto que vive do seu charme muito próprio, das suas pessoas e não das plásticas “a aplicar” por quem não a vive, não a sente e apenas a conhece por relatórios alheios.

A noite do Porto representa, goste-se ou não, dois factores fundamentais para a cidade: económico e turístico.

Económico porque gera trabalho, gera riqueza, gera criatividade e desempenho, gera crescimento. É verdade que gerou já coisas a mais, a necessitar de regulação e não de estrangulamento. Mas já lá vamos.

Turístico porque tem oferta para acolher. Aumentou a oferta já existente, de cultura, de conhecimento e de identidade. Além da que existia, agora acolhe com diversão e prazer, com bom trato e profissionalismo, com gastronomia melhor definida e passeata para moer depois de jantar. Ó sim, passeata é de destacar, pois só quem cá vivia sabe bem o quão perigoso e solitário era passear pela Baixa antes da “mobida” (se podemos escrever “movida”, em castelhano, por que não em portuense?).

A “mobida” do Porto é um facto. Existe. Está firme e ajuda mais a cidade do que alguma vez a cidade a ajudou. Está na hora de ser ajudada, como se fosse um adolescente cheio de saúde, mas com poucas regras.

Sim, precisa de regulação. E foi com alguma esperança que li, há dias, que a nova Câmara pretende reanalisar o processo, nomeadamente o dos horários, cuja vigência estava ultrapassada pela modernidade e pelas necessidades.

Os empresários da “mobida” não precisam de subsídios, não precisam de favores e não precisam de mais enganadores entre eles, a representá-los ou a negociar a sua própria actividade em função da cidade.

A “mobida” precisa de ideias, de visão e do trabalho de quem dirige a cidade. Mas precisa que esses decisores saiam à rua, saiam à noite em trabalho. Não pode mais viver dos tais relatos alheios, feitos por quem diz que sabe e não sabe do que fala.

Precisa de regulação e fiscalização capaz e eficiente. Não se podem apenas fiscalizar os bares e discotecas constantes nos mapas de Excel, feitos com base no CAE (Classificação das Actividades Económicas), que afastam os fiscais das pastelarias, confeitarias, livrarias, associações culturais que funcionam, ilegalmente, como concorrência dos espaços comerciais fiscalizados intensa e massivamente.

Nada contra os pastéis e os rissóis vendidos às três ou quatro da manhã. Só não podem é vender álcool para a rua, sem cumprimento das regras de segurança e salubridade e em completo desrespeito pelos empresários que pagam forte e feio para o vender. A isso chama-se concorrência desleal. Tem sido pouco nobre e leal, tem…

O que está errado na noite do Porto resume-se praticamente numa expressão: concorrência desleal. E esta, como tudo em Portugal, só acontece à custa da ineficácia e/ou desconhecimento das realidades dos nossos eleitos.

Sou suspeito. Sou mesmo muito suspeito. Cresci e vivi sempre no Porto. E acompanhei sempre muito de perto – com interesse e empenho pessoal – a forma como a “mobida” se desenvolveu. Deu-me prazer e até orgulho. De alguma forma, sinto que eu e os meus contribuímos como pudemos.

Sou suspeito. Mas, mesmo suspeito, estou convicto de que, se não houver visão, se não se baralhar e tornar a dar, a noite do Porto morre. E com a “mobida” morrerão muitos negócios diurnos que foram abrindo e crescendo à custa dessa tremenda capacidade que os Portuenses têm de “dar a volta à coisa”.

Ainda estamos todos a tempo. A tempo de pensar que o que existe, em termos de regras a aplicar, está desajustado no tempo, no território e face à energia da “mobida”.

E, se dúvidas houver no terreno, venham beber um copo comigo.

@Porto24

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