Em todos os países democráticos, em situação de grave crise social e económica, se assiste uma discussão, cada vez mais intensa, sobre a reforma do sistema político e sobre a aproximação dos eleitos aos eleitores.
Na
maior parte dos estudos que vão sendo conhecidos, a reforma do sistema político
é limitada à representação parlamentar, à forma como os deputados, senadores ou
congressistas são eleitos e exercem o seu mandato.
Trata-se,
pois, de uma discussão exígua porque não insere uma leitura holística dos
sistemas, desgraduando as necessárias ponderações dos enquadramentos
governativos, do papel institucional dos tribunais e, ainda, a força e
realidade dos poderes eleitos de âmbito mais “territorial”.
Também
em Portugal se fala em reforma do sistema político e também se limita a
discussão a três relevantes, mas insuficientes, questões. São elas: 1ª Como
estancar a abstenção e o progressivo divórcio eleitoral dos cidadãos? 2ª Como
aproximar os eleitos dos cidadãos votantes? 3ª Como melhorar o desempenho dos
eleitos?
A
abstenção é uma existência em todos os países, não havendo uma leitura
unificada que possa determinar comportamentos tendo em conta a realidade
geopolítica de cada um universos eleitorais.
Nos
Estados Unidos da América verificamos uma participação eleitoral que raramente
chega aos 50%. Nem mesmo nas eleições em que Al Gore e Bush se defrontaram os
eleitores se mobilizaram para participações mais substantivas.
Sabemos
bem que o sistema eleitoral norte-americano se rodeia de especificidades
balizadas por primárias, que a eleição funciona em tempos sequentes, que os
Estados se comportam de acordo com proporções de votos diferentes.
Também
sabemos que as eleições para o Senado e para o Congresso registam uma validação
unipessoal que consagra realidades partidárias e ideológicas muito díspares.
Mas
um olhar sobre as recentes eleições germânicas diz-nos que o eleitorado, mesmo
que mais satisfeito, mais incrementado na coisa partidária, mais exigente
perante a situação europeia, se não deu ao trabalho de assinalar, de forma
significante, uma “dentada” na abstenção.
Há
inúmeros trabalhos académicos que rondam o tema. A abstenção tem ligação com o
descrédito da política, tem a ver com a crescente suspeita e a evolutiva
sensação de corrompimento entre as classes circundantes do poder, tem
proximidade ao facto de se terem introduzido novos mediadores que cansam o
discurso político e que exigem comportamentos intemporais a seres temporais.
Mas
o que releva na análise dos escritos é a insuficiente ponderação da
“obrigatoriedade do voto” enquanto elemento para o recuo do divórcio crescente.
Muitos dirão que o “voto obrigatório” é um atropelo ao princípio da liberdade
individual.
Nós
diremos que o dever (obrigação) de ir às urnas é prévio ao dever de pagar
impostos, de cumprir regras sociais, de cada um se sujeitar às obrigações
gregárias. Por isso, se queremos decisões validadas, opções que resultem da
exposição de alternativas, não se pode eliminar o “voto obrigatório” da
discussão sobre a reforma eleitoral, antes se deve afirmar categoricamente.
Olhando
a consistência constitucional, importa perguntar se a previsão normativa é
suficiente para dar espaço a novas realidades que façam respirar a democracia.
A resposta é – não!
A
limitação das candidaturas independentes, que não se compreende nos dias de
hoje, conjugada com o impedimento dos partidos locais ou regionais ou dos
partidos de interesses, reduz, significativamente, o debate e o campo de
escolha. Importa ponderar a abertura do sistema que seja acompanhada de um
limiar mínimo de votação percentual para uma representação parlamentar.
O
segundo universo de questões prende-se com o facto de se ter optado por
“eleitos de diretório” em desfavor de “eleitos de legitimidade reforçada”. Há
muitos que reclamam impedimentos para o primado da eleição uninominal
recomendando uma atenção ao velho caudilhismo, ao benefício dos interesses
localistas, à impossibilidade de se construírem políticas verdadeiramente nacionais
com parlamentos fragmentados.
Não
poderemos ter medo de seguir em frente. Muitas democracias optaram, com
vantagem, pelos círculos uninominais e não viram reduzidas as suas esperanças
de governabilidade.
Mas
há um outro fundamento que pode ser ponderoso – com círculos uninominais os
mais pequenos partidos podem submergir deixando de ter importância e de
representar franjas relevantes da sociedade.
Importa
atentar no argumento e seguir na consagração e um “círculo nacional de restos”
que faça convergir o benefício de maiorias e a representação tendencialmente
proporcional. A tudo isto se deve juntar a reponderação dos círculos eleitorais
que devem agregar e repartir tendo em conta a demografia eleitoral e a redução
do número de eleitos que situe o país dentro das médias existentes na União
Europeia.
Por
último o exercício da função parlamentar. O debate sobre a liberdade de voto,
assumido por um dos partidos do arco da governação, deixou a esperança de se
poder assistir a votações mais coloridas, a tensões benévolas dentro dos
próprios grupos parlamentares. Erro de análise e esperanças frustradas. A
liberdade de voto é, ainda, um “amanhã que canta”. E só a consagração
estatutária desse princípio pode salvar os mandatos.
Mas
há mais a fazer para essa salvação. Um deputado tem obrigações individuais de
prestação de contas. Por isso interessa um reforço das condições de exercício,
no parlamento e no território, e importa a determinação de obrigações de
reporte que não se podem circunscrever à lista de intervenções em plenário e
comissões.
A
prestação de contas deve incluir as iniciativas que visem a valorização do seu
território eleitoral, da qualidade de vida das suas gentes, das conquistas que
a cada momento, no desempenho da função, vão sendo conseguidas.
Não deixa de ser relevante, nesta identificação das
condições de exercício, que se determinem novas e reforçadas limitações à
acumulação de funções e ao regime de incompatibilidades. O exercício da
atividade de influência benéfica, conhecido como lobbying, deve ser regulamentado e obrigar à
identificação das pertenças. Como não devem continuar a ser autorizadas as
candidaturas concorrentes a cargos de eleição sem que haja, previamente, um
abandono da função precedente.
Perante
a lista de encargos que se indicou, é possível aspirar a uma mudança de
paradigma nos próximos anos? A resposta é difícil! Mas importa deixar claro
que, se não forem os líderes políticos a antecipar a reforma ela se imporá por
si, nascendo novas realidades partidárias que acabarão por implodir o sistema
“abrilista” que vigora.
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