Socorrendo-me da opinião de António Cândido de Oliveira, assinalei aqui na passada sexta-feira a armadilha constitucional onde se pretendeu capturar a principal reforma da organização administrativa territorial que continua por cumprir: a criação das regiões.
Explicava
aquele ilustre professor de Direito Administrativo que a revisão constitucional
de 1998 conseguiu a proeza de, sem apagar as regiões da Lei Fundamental,
condicionar a sua criação a exigências praticamente impossíveis de cumprir.
Com
efeito, a sua instituição concreta ficou dependente da realização de um
referendo duplo - o único referendo obrigatório previsto pela nossa ordem
jurídica! - e da sua aprovação pelo voto favorável de uma maioria definida com
deliberada ambiguidade.
Não
satisfeitos com a imposição da prévia consulta popular, os redatores do novo
artigo 256.º da CRP submeteram a criação das regiões a regras excecionais que
agravam o regime comum dos referendos, previsto no artigo 115º da CRP.
O fracasso
do referendo sobre a criação de oito regiões administrativas realizado em 1998
estava assegurado. O seu destino não teria sido diferente mesmo que se tivesse
evitado a derradeira habilidade de retalhar as cinco regiões-plano que, na
visão do legislador constituinte originário, desde 1976, deviam suceder a uma
circunscrição anacrónica, desacreditada pela manipulação intensa a que foi
submetida pela ditadura: o distrito.
Com a
revisão constitucional de 1989, as regiões-plano desapareceram da Constituição
mas persistiram as cinco regiões de planeamento no âmbito das atuais Comissões
de Coordenação e Desenvolvimento Regional - cujo papel e competências não
pararam de crescer desde a integração europeia, em 1986.
Triunfou
novamente a visão centralista e antidemocrática que pretende que a
regionalização seria um luxo e que, apesar dos eventuais benefícios que a prazo
pudesse trazer às populações, não existiriam atualmente os recursos financeiros
disponíveis para suportar os custos da sua instituição imediata.
A
falsidade do argumento é todavia fácil demonstrar. Basta constatar o papel
insubstituível que as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional
continuam a desempenhar na gestão dos fundos europeus, sob a direção estrita e
conforme os caprichos e conveniências do Governo de Lisboa.
As regiões
não são um devaneio fútil para tempos de prosperidade e abundância. Pelo
contrário, tal como aqui não nos cansamos de repetir, a regionalização pode ser
um poderoso instrumento para suprimir as disfuncionalidades criadas pela
multiplicação de órgãos desconcentrados dos ministérios - Saúde, Educação,
Emprego, Segurança Social, Agricultura, Ambiente, Economia, Obras Públicas ou
Administração Interna.
A criação
deste nível intermédio entre as autarquias locais e a administração central, no
âmbito territorial das atuais Comissões de Coordenação e Desenvolvimento
Regional, seria um fator de racionalização e poupança, um estímulo para o
planeamento e o desenvolvimento económico e social, capaz de mobilizar recursos
e libertar energias, combinando proximidade e diversidade, gerando complementaridades
ignoradas, promovendo dinamismos virtuosos e fazendo emergir novos projetos e
novos protagonistas.
Nos corpos
técnicos das atuais CCDR - com a experiência e as competências que
desenvolveram - mais o que restasse de útil da extinção dos organismos
desconcentrados dos ministérios, encontrariam os governos das regiões, eleitos
pelos cidadãos, uma sólida estrutura permanente.
Um
renovado ímpeto reformador deve marcar o novo ciclo da mudança política que já
se iniciou e reconduzir ao centro do debate público as reformas ambiciosas de
que este Governo desistiu ainda antes de as lançar...
Desde que
haja uma séria "vontade política", é possível avançar no caminho da
criação das regiões administrativas, o que requer certamente muita imaginação e
prudência para evitar a "armadilha constitucional" que, como sabemos,
apenas em sede de revisão constitucional poderá ser definitivamente
"desarmada".
PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS
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