Pela enésima vez, Miguel Poiares Maduro afirmou que Portugal
é um dos países mais centralizados da Europa.
É sempre um bom ponto de partida
enunciar de forma clara o problema em mãos. Mas este gesto de humildade só se
torna eficaz se for seguido de uma visão para o futuro e da estratégia adequada
para a sua realização.
E por muita boa vontade que o ministro vá manifestando,
a verdade é que a sociedade ainda não percebeu o que quer este país ser em
matéria de descentralização.
Com a publicação do Decreto-Lei 30/2015, que regula
o regime de delegação de competências para os municípios e para as comunidades
intermunicipais, está lançada a polémica. O governo adotou um caminho que não
parece convencer ninguém, pelo que vale a pena recuar e olhar a questão de
forma mais estruturada.
Antes de tudo, quando se diz que Portugal é centralizado
pretende-se enfatizar o facto de mais de 10 milhões de pessoas, distribuídas
por um território de mais de 90 mil quilómetros quadrados, serem governadas a
partir de um centro de comando instalado em Lisboa e operado por personagens
que acham que para lá da Golegã tudo é província.
Esta separação, física e
conceptual, entre governantes e governados configura uma brutal violação do
princípio da subsidiariedade, algo que, num registo mais coloquial, se pode
designar por "cancro nacional".
A tal visão que deve suceder ao
enunciado seria algo como "Portugal quer ser um dos países menos
centralizados da Europa". E, já agora, menos centralistas também. Mas esse
desígnio não se vislumbra, nem no papel nem na vontade nem nos atos, pela
simples razão de que aquilo que serve aos donos do atual sistema é que nada de
substancial mude.
Ultrapassada, por omissão, a visão, o Governo lança-se à
estratégia. E é aqui que se descobrem todas as fragilidades de um processo que
não é credível. A resposta constitucional à centralização é a regionalização,
pelo que este é o dossier que está a montante.
É verdade que os portugueses se
pronunciaram sobre esta matéria em referendo em 1998. Mas também é verdade que
o modelo proposto na altura era apenas um, de entre muitas possibilidades. Há
hoje condições para equacionar um processo de regionalização inteligente,
racional, sem multiplicação de estruturas, que tenha por mote a aproximação dos
processos de decisão às regiões e às suas populações. Qualquer estratégia de
descentralização que pretenda mudar o estado de coisas neste país deve começar
por aí.
A forma clássica de tornear a opção da regionalização é endereçar
diretamente os municípios. E aí entramos num mar de contradições. O Governo,
depois de andar a fechar serviços públicos por grosso em boa parte do
território, invocando que os municípios não têm escala, a procura é baixa e
outros argumentos do género, vem agora propor contratos interadministrativos
para a delegação de competências, num exercício em que parece apenas procurar
atirar responsabilidades e custos para as autarquias.
Manuel Machado, presidente
da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e também da Câmara
Municipal de Coimbra, foi lapidar relativamente a este processo agora encetado
pelo ministro Poiares Maduro. É apressado, carece de estudos de impacto e
desconsidera por completo as limitações financeiras e de recrutamento das
autarquias.
O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, veio também
já dizer que não aceitará qualquer nova competência sem que a questão do
financiamento das autarquias seja devidamente tratada. E recupera um conjunto
de questões em que o Governo tem atropelado os interesses da Autarquia
portuense, do horário de trabalho aos transportes e aos impostos, para concluir
que desconfia deste ímpeto descentralizador.
Com mais ou menos polémica, lá
aparecerão uns quantos autarcas a aderir ao seu programa piloto. Os governos
encontram sempre nos municípios, nas universidades e nas associações uns
camaradas para alinhar no peditório a troco de qualquer rebuçado.
Mas é preciso
dizer alto e com todas as letras que há uma diferença semântica entre delegação
de competências e descentralização. O que está a ser feito é um embuste. Assim,
nada mudará.
@ José Mendes - JN
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