O chumbo da reforma de Regionalização Administrativa de 1998
foi, como é cada vez mais notório, um dos maiores desastres para a democracia
Portuguesa e para o desenvolvimento regional do País no pós-25 de Abril.
Na altura, os adversários da regionalização utilizavam como
argumento para o voto no “não” a suposta “divisão do país” numa “manta de
retalhos”, que iria “pôr em risco a unidade nacional” se a reforma fosse para a
frente, como se séculos de unidade cultural e política de Portugal pudessem ser
postos em causa por cada região passar a ter governantes eleitos pelos
cidadãos, que tratassem dos problemas específicos de cada área deste País com
tanta diversidade de realidades como é Portugal.
Nos anos 90, os opositores ao referendo prometiam, em
alternativa, um programa de “descentralização”, que até hoje ninguém sabe o que
é na prática, que deu voltas e voltas ao sabor da vontade de cada Governo, e
que faz com que hoje estejamos ainda mais centralizados que em 1998.
Na sua versão mais recente, a prometida “descentralização”
foi substituída por outro conceito mais na moda- a “municipalização”. Ou seja,
os que actualmente se sentam na cadeira do poder em Lisboa- muitos dos quais
são os mesmos que fizeram uma campanha sem quartel contra a regionalização
administrativa-, face à incapacidade de tomar com celeridade todas as decisões
que exige um Estado centralizado, propõem que várias competências actualmente
sedeadas em Lisboa- as mesmas que hoje estariam nas regiões, se elas existissem-
passem para os municípios.
Sim, o caro leitor não se enganou a ler: os mesmos que eram
contra a distribuição de competências por 8 regiões são agora pela distribuição
das mesmas competências por 308 municípios… Ou seja, os mesmos que eram contra
a “manta de retalhos” estão agora a propor uma “manta de farrapos”.
Que competências são estas que o Estado quer transferir para
as autarquias? Várias, em áreas fundamentais como a educação e a saúde, que em
nenhum país da União Europeia estão entregues a municípios, mas sim a esse
“belzebu” que para alguns são as regiões. Portugal é pródigo a inventar
soluções de governança que mais nenhum país adopta, e o resultado está à vista-
já estamos a caminho da nova cauda da Europa, a ser ultrapassados pela maioria
dos países da Europa de Leste, que em 20 anos de democracia conseguiram fazer
as reformas que Portugal não conseguiu em 40, entre as quais a regionalização,
que foi feita mesmo pelos países mais pequenos como a República Checa ou a
Eslováquia.
Há uns meses tive a oportunidade de assistir a uma
conferência sobre a municipalização da educação, em que se discutiam os prós e
os contras de tal “reforma”. Os argumentos a favor chegavam ao cúmulo de passar
pela “diferenciação de currículos” e afins… Mas caberá na cabeça de alguém
sério que os currículos escolares em Paços de Ferreira sejam diferentes dos de
Lousada ou de Paredes?
Um dos fortes argumentos de quem se opõe a este processo passa
pelo elevado risco de que, nos sectores municipalizados, se venha a instalar
uma política de favores e de amiguismos, baseada na infelizmente
portuguesíssima “cunha”. Todos sabemos que tais receios não são infundados, e
penso que nem são precisos argumentos para explicar porquê.
Ora, é precisamente esse o grande ponto que explica porque
uma regionalização tem tudo para dar certo e uma municipalização tem tudo para
dar mau resultado. Isto porque as regiões têm escala, dimensão territorial e
demográfica, e são o produto de equilíbrios políticos e sociais
interterritoriais, e dotadas de quadros técnicos qualificados- quer provenientes
do Estado quer da própria sociedade, das empresas e dos meios académicos que
todas as regiões possuem.
Ao invés, as autarquias são um poder de proximidade, criadas
para resolver problemas locais, “capilares”, nomeadamente para garantir a
prestação de serviços básicos às populações que servem e resolver os seus
problemas específicos. Os municípios não têm capacidade para tomar decisões de
monta como a definição de currículos escolares, a gestão de unidades de saúde,
a manutenção de vias de comunicação de âmbito regional ou os transportes
públicos para as principais cidades, pelo simples facto de que a sua estrutura
e os seus quadros estão preparados para resolver outro tipo de problemas. Pior:
ao sobrecarregar-se os municípios com competências para as quais não estão
preparados, estes passarão a desempenhar pior as suas competências essenciais.
Mas desenganem-se os centralistas: se não é com a
municipalização que o problema se resolve, muito menos isso acontece
perpetuando a actual situação, praticamente única na Europa (nunca é demais
frisá-lo) em que a construção de uma estrada para uma sede de concelho ou umas
obras num centro de saúde têm que ir a Lisboa para ter luz verde, acabando por
ser engavetados nos gabinetes ministeriais por falta de capacidade de resposta
do Governo Central.
Em suma, sempre que se mexe, ou se tenta mexer na
organização territorial do País, só se evidencia a urgência e a inevitabilidade
da Regionalização como única maneira de resolver os problemas de centralismo
crónico do País, sem distribuir competências essenciais como “farrapos” a
estruturas sem capacidade para as gerir, e sem instalar uma “cunhocracia”
derivada da excessiva proximidade dos municípios para gerir competências cujo
âmbito ultrapassa bastante o território de um concelho.
João P. Marques Ribeiro
in Tribuna Pacense (Paços de Ferreira, Entre Douro e Minho), Abril de 2015
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