«Regionalização em Portugal: questões levantadas por aluna do Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e respetiva resposta por J. Cadima Ribeiro - Professor universitário. Investigador do NIPE, EEG/Uminho.
- Considera
adequada a atual divisão administrativa existente em Portugal?
Não. A atual delimitação de
freguesias e municípios está de há muito ultrapassada. A solução de arrumação
das freguesias a que se chegou em 2013 não vai além de um simulacro de reforma,
e ainda por cima por más razões. Aparte isso, falta a implementação de um
processo de regionalização, com todas as suas consequências, económicas,
sociais e políticas.
- Concorda com a
existência de um processo de regionalização em Portugal?
Sim, sem dúvida. É preciso
reforçar e renovar a democracia e renovar o projeto económico e social que dá
fundamento ao dia-a-dia do país.
- Na sua opinião,
constitui uma necessidade para o país ou não?
Sim, pelo que já adiantei. Em
termos de políticos, o país tem vivido num impasse, que importa definitivamente
ultrapassar. Em termos de projeto económico e social, outro tanto. Importa
redefinir o modelo económico e importa instituir novas bases no funcionamento
democrático, devolvendo o poder aos cidadãos, que é uma dimensão essencial da
descentralização do poder.
- Quais são os
benefícios da regionalização para Portugal?
Desde logo, aproximar o poder dos
cidadãos e criar contexto para uma melhor perceção por parte dos atores
políticos das realidades dos territórios, que só a proximidade pode conferir.
Desse proximidade, há-de resultar a capacidade de melhor olhar para os recursos
e capacidades e desenhar políticas em conformidade. Da relação próxima
potencial entre poder regional e cidadãos, pode conseguir-se também um nível
mais elevado de mobilização dos atores e das comunidades para o ataque aos
problemas percebidos e na realização das metas que possam ser defenidas.
- Quais são os
perigos de regionalização em Portugal?
O perigo é o do clientelismo e de
se criarem grupos de interesses e famílias políticas que capturem o poder
político regional. Se olharmos para o que aconteceu na Madeira isso fica
patente, pese as virtualidades do modelo em matéria de contributo para o
desenvolvimento do território.
- Considera
possível existir descentralização em Portugal? Se sim, em que áreas?
Sim. Mais do que possível é
desejável. Desde logo, a nível do planeamento e da gestão económica do
território. Há equipamentos e infraestruturas que têm um nível de provisão e de
gestão “ideal” a nível regional. Obviamente, impor-se-á sempre um modelo
baseado na subsidiariedade, isto é, que cada nível de poder assuma a parte da
responsabilidade para o qual pode apresentar um desempenho mais eficiente.
- Considera
possível existir desconcentração em Portugal? Se sim, em que áreas?
Sim. Já existe aliás, baseada no
desenho das chamadas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Isso
é peça da aproximação do poder das realidades do território. O problema é que
se confunde, algumas vezes, desconcentração e descentralização, aparte o
desenho deficiente da áreas geográficas de intervenção das CCDRs. Ultrapassado
o mal-entendido sobre quem representam as CCDRs, as áreas em que intervêm não
têm que alterar-se significativamente.
- Em caso de
regionalização qual considera ser o mapa mais adequado a aplicar?
O mapa da regionalização mais
adequado será o que se mais se aproxime de uma divisão política que se ajuste
ao sentido de comunidades (históricas, culturais) regionais, isto é, que adira
ao sentido de subjetivo de regionalização (visão vitalista). Uma visão orgânica
será de combater por questionar os elementos basilares da identificação da
população com o poder político (leia-se: as elites políticas que possam ser
constituídas).
- Como seria
possível implementar um processo de regionalização em Portugal?
Desde logo, aplicando a
Constituição em vigor. Pode, obviamente, avançar-se a partir de
experiências-piloto. Em todo o caso, o processo deve ser construído, em grande
medida, de baixo para cima, fazendo intervir processos associativos locais
espontâneos.
- Que papel podem
ter as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, as Áreas
Metropolitanas e as Comunidades Intermunicipais na implementação da
regionalização em Portugal?
As Comunidades Intermunicipais
podem constituir um elemento relevante no processo de estruturação das regiões,
como elemento basilar desse processo dada a sua relação com o território (e
seus atores) e escala. Cumpre-lhes um papel central no debate a desenvolver, na
dinamização desse debate à escala local e sub-regional e na formulação, em
concreto, do desenho da regionalização, a nível geográfico e de competências a
atribuir ao poder regional. As CCDRs
devem confinar ao seu papel de representantes do poder central. Podem ganhar
muito em matéria de qualidade do seu desempenho se fizerem isso.
- Que papel têm
assumido os últimos governos na regionalização em Portugal?
O da travar, a pretexto de tudo e
de nada, dando corpo à ideia de que nenhum poder constituído abdica de bom
grado de competências e prerrogativas de que goza num certo momento.
Obviamente, isso prende-se com os interesses e famílias políticas que foram
constituídas em Portugal a partir de certa altura e da forma como tiram partido
do poder sedeado em Lisboa e, em menor medida, no Porto.
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