REGIONALIZAÇÃO: 20 ANOS APÓS OS “TACHOS” E AFINS

No último fim de semana, o semanário Expresso trouxe à capa o tema da regionalização. Parece que mais de vinte anos após o referendo, se vai perdendo, timidamente, o receio de se usar a palavra que se tornou “maldita” em 8 de novembro de 1998 . 

Nas páginas do semanário lia-se: “Acabou o tabu. PSD assume vontade de regionalizar. Governo diz que será tema para a próxima legislatura. Comissão prepara “aplicação prática” da reforma”.
Saúda-se, para já, o facto do PSD ter mudado de posição em relação ao referendo de 1998 e celebra-se ainda o desejo de levar este barco a bom porto, evitando “os erros do passado”. A esses já lá vamos. 
A Constituição obriga a que a criação de regiões administrativas seja submetida a referendo e, julga-se que quando se quer evitar os “erros do passado”, se pretenda também evitar o chorrilho de disparates que foram ditos no pré-referendo de 1998 e os “medos” que, irresponsavelmente, foram incutidos nos eleitores sobre a criação de mais “tachos” – os incontornáveis “tachos” que são sempre atirados para cima da mesa quando os argumentos não dão para mais – e a “divisão do país” sabe-se lá em quê.
A tristeza disto tudo é que parece que ninguém percebeu que o país já estava demasiado dividido em várias fronteiras invisíveis desenhadas pelos gritantes contrastes demográficos e económicos.
Em 1998 tudo se disse impunemente, tudo se arremessou, mas ouviu-se pouco uma discussão com pés e cabeça sobre os benefícios da criação deste modelo de administração do território (é só isso!), com regiões com órgãos democraticamente eleitos, com recursos financeiros próprios, com efetiva proximidade aos problemas intrínsecos de cada território e com autonomia suficiente para agir sobre eles.
Tudo isso foi devorado pela conversa básica dos “tachos” e das “divisões” e onde é que iriam ficar “as sedes das regiões”, de quem manda em quem. 
Mais de vinte anos depois, a regionalização volta à baila, não pela necessidade de criar mais “tachos” ou pela vontade irreprimível de alguém em “dividir “ o país. Vem porque é evidente que algo na administração do território falhou clamorosamente. E muitas vezes, a questão nem é a falta de dinheiro: É a racionalização do seu uso. 
E isso é particularmente evidente nas regiões mais despovoadas e pobres do país, como é o caso da Beira Interior. Também por isso é necessária a devida atenção a que “mapa” sairá desta nova investida pelo tema.
Muitos pensarão, até para evitar problemas no dia de um eventual novo referendo, que o ideal será o pacífico mapa com as regiões que correspondem, em Portugal Continental, às áreas de atuação das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. 
Mas aí alguém vai ter que explicar muito bem como é que a Beira Interior (os distritos da Guarda e de Castelo Branco que constavam como região no mapa de 1998) se enquadrará num contexto de 100 municípios com realidades tão distintas como são as de Leiria, Aveiro ou Coimbra. 
E depois, que alguém explique como é que a Beira Interior, com tão graves problemas, poderá, após este eventual processo, continuar a estar diluída – como sempre esteve – noutras realidades, prioridades e filosofias.

Nuno Francisco

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