A
reforma do binómio
descentralização-regionalização em análise
Um dos tópicos centrais da agenda para 2030 reporta-se
ao que designo como os pontos de regionalização, ou seja, a dinâmica interativa
entre os níveis regional (NUTS II) e sub-regional (NUTS III/CIM) de governo e
administração e, em especial, em resultado dessa interação, a evolução da
comunidade intermunicipal (CIM) para uma nova configuração interurbana que eu
aqui denomino de região-cidade.
Vejamos alguns pontos críticos desta dinâmica e,
também, alguns princípios de reforma do binómio
descentralização-regionalização.
Já sabemos que a transformação digital desencadeia uma
crescente desintermediação e desmaterialização da administração do território e
que a sociedade política, ao contrário, se sente, cada vez mais, acantonada e
confinada nos limites territoriais da sua legitimidade eleitoral; este
desequilíbrio empurra a sociedade política para a defensiva e está na origem de
muitos equívocos no binómio descentralização-regionalização.
Já sabemos, também, que uma abordagem territorial pela
perspetiva das redes – centralizadas, descentralizadas e distribuídas – pode
ser aplicada às cidades do futuro e, em especial, à região-cidade como rede
policêntrica, distribuída e colaborativa.
Já sabemos, ainda, que o investimento feito na
smartificação do território é decisivo; num primeiro nível, a simples
otimização de recursos na provisão de serviços públicos, num segundo nível, a
criação de um ambiente inteligente na educação-ensino-formação de toda a
população, num terceiro nível, a promoção de plataformas digitais made
in tendo em vista a criação de uma sociedade local mais participativa
e colaborativa, por último, a criação de um ecossistema digital integrado
orientado para a estratégia de desenvolvimento territorial da região-cidade.
Já sabemos, igualmente, que o binómio
descentralização-regionalização depende muito da evolução
político-administrativa das próprias comunidades intermunicipais (CIM), em
especial, no âmbito da lei nº50/2018 que transfere atribuições e competências
para os municípios e as CIM.
Para lá desta transferência, importa saber se os
municípios, eles próprios, desejam evoluir para um genuíno federalismo
intermunicipal, um novo patamar para um governo dos comuns e um verdadeiro
território-desejado, ora, sobre tudo isto paira ainda uma nuvem espessa e
carregada.
Já sabemos, também, que a filosofia política da
regionalização, em especial, a interação dinâmica entre os níveis regional
(NUTS II) e sub-regional (NUTS III/CIM) depende, em primeiro lugar, de uma
reforma da administração regional desconcentrada do Estado e a formação de um
executivo regional com base nas atuais CCDR, e, em segundo lugar, do reforço
das CIM com a correlativa modernização das estruturas das administrações
municipais.
Já sabemos, finalmente, que a evolução do binómio
descentralização-regionalização depende muito da filosofia política da
integração europeia, em especial, no que diz respeito à união orçamental, aos
recursos próprios (impostos), à formação de dívida conjunta europeia e à
comunitarização de novas áreas de integração, como é o caso das alterações
climáticas, da saúde pública e da segurança e defesa; acresce que falta ainda à
União Europeia uma doutrina regionalista bem estabelecida em matéria de
macrorregiões europeias, de bens comuns e mobilidade transfronteiriça, que abra
uma janela de oportunidade para a próxima geração dos agrupamentos europeus de
cooperação territorial (AECT).
Aqui chegados, e perante uma matéria tão complexa,
talvez possa resumir desta forma simples os principais princípios de reforma do
binómio descentralização-regionalização:
1) O gradualismo e o paralelismo das duas reformas, a
descentralização administrativa e a reforma municipal, de um lado, a
regionalização administrativa e a reforma do estado, do outro; este paralelismo/gradualismo
reforça os dois processos e é pedagogicamente e politicamente compensador;
2) Uma massa crítica de competências nos dois níveis,
municipal e regional, é fundamental: trata-se não apenas de criar condições
para acreditar uma verdadeira economia de rede e aglomeração entre os dois
níveis, mas, também, de programar no tempo a deslocação de serviços para as
regiões;
3) Uma maior autonomia do desenho das políticas
públicas do território: as tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a
transformação digital irão permitir a formação de plataformas de interação
colaborativa e uma intensidade-rede mais inteligente e criativa, no sentido da
smartificação do território e esta tendência é inescapável;
4) Uma maior cooperação política, técnica e
administrativa entre os dois níveis de administração permitirá ensaiar
processos e soluções mais ajustados de delegação, contratualização e parceria,
no sentido de encontrar a escala mais apropriada e os meios mais adequados a
cada política pública territorial.
No final, se cumprirmos estes princípios simples de
boa administração estou convencido de que teremos feito mais e melhor com
menos.
@ António Covas - Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve
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