Distorções da democracia no nosso Estado central

A circunstância dos círculos de eleição política serem distritais, isto é, não terem correspondência com uma organização territorial administrativa do Estado central com interesse (os distritos, hoje em dia, só têm significado para os aparelhos partidários) e a circunstância da representação política estar afunilada a seis partidos/grandes deputados, isto é, não votarmos em deputados mas sim em partidos que nomeiam deputados, então percebe-se a razão de ser da vulnerabilidade do Estado central aos lobbies corporativos sectoriais e a razão de ser da despesa pública estar fora do controlo.

Ter seis deputados com um voto com o peso eleitoral do partido respectivo ou 230, do modo que as coisas têm funcionado (escolha dos candidatos a deputados ditada, em larga medida, pelos aparelhos partidários; interesse nacional ditado aos deputados por meia dúzia de iluminados, através da imposição da disciplina partidária; esvaziamento das funções de representação, por parte dos deputados, dos eleitores do seu círculo de eleição; não responsabilização dos deputados perante os eleitores do seu círculo de eleição; etc.), teria, na prática, o mesmo significado.

O vazio da representação política não permite a expressão, ao nível do poder político central, dos problemas dos diversos territórios do país. Não permite questionar, por exemplo, o interesse das grandes obras públicas do ponto de vista da competitividade dos diversos territórios do país.

Do ponto de vista da competitividade do país é essencial não só proceder a análise benefícios custos das grandes obras públicas como proceder à análise do seu interesse para o incremento da competitividade, em concreto, dos diversos territórios do país e, por isso, do país.

Há uma incongruência constitucional acerca dos deveres de representação dos deputados nacionais. Constitucionalmente, os deputados devem representar o interesse (dos eleitores do todo) nacional. Todavia são eleitos por círculos distritais de eleição. A disciplina partidária, como solução para esta incongruência, é uma péssima solução. Afunila a representação, coloca o Estado central nas mãos de meia dúzia de iluminados e ao esvaziá-lo de representação torna-o mais vulnerável aos lobbies corporativos sectoriais.

Se os deputados nacionais devem representar o interesse dos eleitores do todo nacional então o seu círculo de eleição deveria ser um círculo nacional único. A alternativa é representarem os eleitores do seu círculo territorial de eleição.

Nessa altura, o interesse nacional, em concreto, seria o resultado da discussão e votação por maioria dos interesses dos diferentes territórios. O caso do Orçamento Limiano foi um caso porque, para além da acumulação de funções, o deputado em questão rompeu com a disciplina partidária enquanto que os outros a cumpriram. Se ninguém cumprisse com a dita disciplina o caso do Orçamento Limiano não teria sido um caso. Na época, esse foi dos poucos interesses explícitos no Orçamento. Já agora, Ponte de Lima constitui um bom exemplo do que poderá vir a ser o desenvolvimento rural de muitos territórios do país.

Chegados a este ponto, o país faria imenso pela sua competitividade e não só se conseguisse reformar o Estado central e dar-lhe racionalidade territorial, isto é, uma organização política e administrativa territorialmente conexa, e se, em simultâneo, conseguisse que a reforma do sistema político lhe trouxesse um poder político representativo dos eleitores dos diversos territórios de interesse. Sem isto, não há competitividade que lhe valha. Com isto, a seguir, é possível ir mais além, de diversas maneiras.

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Comentários

Anónimo disse…
A Democracia é muito complicada. Os Deputados representam o todo nacional e isso está certo. Cada Deputado não é representante do circulo eleitoral onde é eleito. Os circulos só existem, para facilitar o processo...
E se fosse eu que mandasse, NUNCA haveria círculos uninominais, mas também não haveria círculos com mais de DEZ deputados por circulo.
E também não haveria mais de 180 ou 181 Deputados segundo a actual constituição. E na próxima revisão reduziria para cerca de 150 Deputados...
E o Tribunal Constitucional (Secção do Supremo), nunca mais de SETE Juízes.
E o SUPREMO, um único Supremo em toda a Justiça... idem...
Portugal "rico" tem muito para fazer, para sobreviver... porque pode nem passar por pobre.... e ir directamente para o morgue...

Zé Lusitano
Caro Zé Lusitano,

Claro que tem que haver sempre deputados nacionais, mas, muitos menos que os actuais 230, talvez aí uns 50. Todavia, na minha opinião, estes deveriam coexistir com outros deputados eleitos em círculos uninominais. Na sua totalidade o parlamento não deveria ter mais de 150 deputados.
Se queremos aprofundar e, mesmo, regenerar a nossa democracia representativa vamos ter que evoluir para este novo patamar.

Cumprimentos,